Gabriel Reis

Quando uma pessoa saudável chega aos 75 anos, seu coração terá bombeado quase 180 milhões de litros de sangue para o corpo. Para cumprir a tarefa, bateu aproximadamente 100 mil vezes por dia. Desta forma, assegurou ao organismo oxigênio e nutrientes necessários ao funcionamento dos órgãos. Nem sempre isso ocorre com perfeição. Cerca de três milhões de brasileiros sofrem de insuficiência cardíaca, doença caracterizada pela deficiência do coração em bombear ou encher-se de sangue de maneira adequada. Nos Estados Unidos, são seis milhões de pessoas. Lá, como aqui, a enfermidade está entre as principais causas de hospitalizações e de óbitos, especialmente entre indivíduos com mais de sessenta anos.

Até há pouco tempo, as opções de tratamento não tinham se diversificado. Recentemente, o avanço no conhecimento da enfermidade permitiu o surgimento de novas possibilidades. Uma delas é o medicamento Entresto, da farmacêutica Novartis. É a primeira novidade em remédios depois de vinte anos. A medicação associa uma substância já usada, a valsartana, a uma molécula nova (sacubitril), inaugurando uma nova classe de drogas contra a insuficiência.

Disponível há um ano no Brasil, o remédio faz diferença na vida do engenheiro José Luis Matheus, 57 anos. O fôlego e a disposição de Matheus ficaram frágeis por causa da insuficiência cardíaca que surgiu após dois infartos. Voltaram depois que começou a usar o remédio. “Agora consigo caminhar ao menos uma hora todos os dias”, diz Matheus. Infartos são responsáveis por cerca de 30% dos casos. Entre as outras causas estão a hipertensão, a diabetes, cardiomiopatias de origens diversas e, no caso do Brasil, a doença de Chagas.

Menos internações

Os estudos demonstraram que a droga reduziu em 20% o risco de morte por causa cardiovascular em comparação ao tratamento padrão (com apenas um remédio), diminuiu em 21% as internações decorrentes de complicações e melhorou a qualidade de vida. Responsável pela indicação do remédio a cerca de 60 pacientes, o cardiologista Paulo Bertini, de São Paulo, está entusiasmado. “A melhora clínica é impressionante”, afirma.

O Entresto foi aprovado pela FDA — agência americana responsável pela liberação de remédios — em regime de fast-track, no qual drogas com potencial para suprir necessidades não atendidas têm seu processo de revisão acelerado. Um artigo publicado pelo cientista Arthur Feldman, da Temple University (EUA), porém, sugeriu que a medicação elevaria a chance de desenvolvimento de Alzheimer, doença neurodegenerativa, e de degeneração macular relacionada à idade, uma das principais causas de cegueira. “Os médicos estão prescrevendo sem saber dos riscos”, escreveu. A Novartis afirma que as chances são teóricas, sem comprovação clínica. E que se comprometeu com a agência a incluir testes de cognição em pesquisas futuras, assegurando que, em estudos com cobaias e humanos saudáveis não encontrou associações.

Na Escola de Medicina Mount Sinai, em Nova York, os cientistas trabalham em outra frente: terapia genética. Uma experiência em animais mostrou que a intervenção em um gene associado à doença a reverteu em até 25% e diminuiu em 10% o tamanho do coração das cobaias. “Será uma opção viável de tratamento”, disse Roger Hajjar, coordenador do trabalho.