Coração de porco geneticamente modificado é transplantado para 2º paciente do mundo

Coração de porco geneticamente modificado é transplantado para 2º paciente do mundo

Os médicos da Universidade de Maryland, nos EUA, fizeram novamente um transplante de coração de porco geneticamente modificado em humano. Este é o segundo paciente no mundo a passar pela técnica inovadora de xenotransplante (enxerto entre espécies diferentes).

A operação foi feita na quarta-feira, 20. De acordo com a universidade, o paciente já respira sozinho e o coração está funcionando bem, sem assistência de dispositivos de suporte. Ele é tratado com uma nova terapia de anticorpos, juntamente com medicamentos antirrejeição convencionais, que são projetados para impedir que o sistema imunológico do paciente ataque o órgão.

David Bennett, de 57 anos, primeiro paciente a receber um coração de porco, sobreviveu cerca de dois meses, fato que foi muito comemorado pela comunidade científica mundial. Para se ter uma ideia, o primeiro humano a passar por um transplante de coração convencional (entre humanos), em 1967, viveu apenas mais 18 dias – hoje, após aprimoramento, a técnica salva milhares de vidas, inclusive a do apresentador brasileiro Faustão.

Durante os quase dois anos desde a primeira cirurgia, os cientistas têm investigado as causas da morte de Bennett. A morte dele por insuficiência cardíaca foi provavelmente causada por uma “série de fatores”, acreditam, incluindo seu mau estado de saúde antes do transplante, que o deixou hospitalizado acoplado a uma máquina por seis semanas antes do procedimento.

O novo paciente, Lawrence Faucette, de 58 anos, com uma doença cardíaca em estágio terminal, foi considerado inelegível para um transplante tradicional. Por isso, a Food and Drug Administration (FDA), órgão americano semelhante à Anvisa, concedeu aprovação emergencial para a cirurgia.

“Minha única esperança real é o coração de porco. Pelo menos agora tenho esperança e uma chance”, disse Faucette, veterano da Marinha e pai de dois filhos. “Minha família tem sido incrível, então vou lutar com unhas e dentes para ficar com eles por mais tempo.”

A esposa dele, Ann Faucette, concorda. A única expectativa dela, diz, é mais tempos juntos, mesmo que isso signifique apenas a oportunidade de beber um café juntos na varanda. “Apenas as coisas simples que não pensamos quando tudo está indo bem.”

Como funciona?

Desde os anos 1960, profissionais estudam a possibilidade de transplante entre espécies diferentes. Na década de 1980 houve a compreensão de que porcos são a melhor opção. Isso por serem de fácil manuseio e similares, fisiológica e anatomicamente, aos humanos.

O transplante de um porco comum, porém, cria uma rejeição hiperaguda (resposta do sistema de defesa humano), que exige explante (retirada do órgão) imediato. Por isso, até por volta de 2005, os cientistas se dedicaram a modificar geneticamente esses animais. A rejeição também é um problema – não na mesma escala – nos transplantes entre humanos.

A edição genética envolve knockouts (bloqueios) e knock-ins (adições) de genes. O cientista pega células de porcos recém-nascidos, bloqueia os genes responsáveis pela produção dos açúcares que geram a rejeição e insere genes humanos para moderar a resposta imune do paciente. A célula modificada é introduzida em um óvulo sem núcleo (sem material genético). Mesmo não sendo uma clonagem, usa-se técnica de transferência de núcleo aprendida com a ovelha Dolly.

Por que precisamos de órgãos de outras espécies?

A busca por “órgãos adicionais” tem por trás uma limitação dos transplantes homólogos: não há órgãos suficientes para quem precisa e milhares morrem nas filas de espera – o que deve aumentar com a tendência de envelhecimento populacional.

Para além disso, os xenotransplantes abrem uma série de prerrogativas inéditas. De mais previsibilidade para o procedimento, o que resultaria na queda de custos, até a possibilidade de paciente ter um “irmão porco”, o que ajudaria no controle da rejeição, como mostrou o Estadão em reportagem publicada no ano passado.

Outras técnicas buscam sanar o problema da escassez de órgãos. Entre elas a criopreservação, área que estuda a possibilidade de trazer sistemas e órgãos à vida após congelamento. Aqui, o objetivo é preservar órgãos. Muitos são desperdiçados porque não podem ficar muito tempo fora do corpo.

Pela primeira vez, cientistas da Universidade de Minnesota (EUA) conseguiram executar transplantes de rins “congelados” (criopreservação) em cinco camundongos – um grupo ainda pequeno. Com a técnica inovadora e experimental, eles armazenaram os órgãos por até 100 dias.