“Essa tecnologia impede o excesso de coagulação no sangue e reduz o risco de trombose” Fábio Jatene, vice-presidente do Incor (Crédito:Reinaldo Canato)

Após 20 anos de pesquisa, a empresa francesa Carmat recebeu autorização para comercializar fora da França um produto que dará esperança a milhões de pessoas em todo o mundo: o coração artificial. Batizado de Aeson, o dispositivo pesa 900 gramas, três vezes mais que um coração normal. As baterias de lítio que simulam o bombeamento do sangue duram cinco anos e têm de ser carregadas em uma bolsa externa, que pesa aproximadamente cinco quilos e conta ainda com um controlador de intensidade. Segundo o cirurgião Fábio Jatene, vice-presidente do Instituto do Coração (Incor), a invenção diferencia-se das outras já existentes graças ao avanço da tecnologia, que inclui um uso de materiais biológicos com metal e plástico. “A combinação impede que ocorra o excesso de coagulação do sangue e ajuda a reduzir o risco de trombose”, explica. Segundo o médico, o propulsor do novo órgão artificial utiliza membranas biológicas produzidas a partir de tecido bovino, o que as torna mais maleáveis para agir no sistema de bombeamento de sangue de acordo com a necessidade do paciente. “A ideia por trás desse projeto era criar um dispositivo que também funcionasse psicologicamente como um coração humano, com as batidas no peito e uma função autossuficiente”, afirmou Stéphane Piat, CEO da empresa.

O coração artificial da Carmat substitui os ventrículos do coração em pacientes que sofrem de insuficiência cardíaca avançada. Ela ocorre quando o coração não consegue cumprir sua função de “bomba de sangue” e afeta primeiramente o ventrículo esquerdo e, depois, o direito. Nesse estágio, órgãos vitais como o cérebro, fígado e rins deixam de receber nutrientes e oxigênio suficientes para funcionar. Entre os principais sintomas da doença estão a fadiga, falta de ar, mesmo em repouso, e retenção de líquidos.

A insuficiência cardíaca afeta ao menos 26 milhões de pessoas em todo o mundo. Apesar dos avanços nas terapias e prevenção, cerca de 5% dos afetados não reagem aos tratamentos. Como trata-se de uma doença progressiva, o paciente tem menos de 50% de chance de sobreviver cinco anos após receber o diagnóstico. O transplante de coração é a terapia mais adequada, mas torna-se restrita devido à escassez de doadores, pouco mais de cinco mil no mundo. É por isso que empresas como a Carmat investem no desenvolvimento de sistemas de suporte circulatório mecânico, como o coração Aeson.

Esperança na fila

A invenção representa uma opção para quem está na fila do transplante de coração. Estima-se que 40 mil pessoas no mundo estejam esperando por um coração novo. No Brasil, há 270 pessoas na fila. O produto será implantado inicialmente na Alemanha, Itália, Espanha e Grã-Bretanha, e aguarda a autorização da FDA, órgão regulador americano, para ser aprovado. Ao todo, esses países apresentam cerca de dois mil pacientes com problemas no miocárdio e insuficiência biventricular.

Segundo o assessor científico da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, Fábio Gaiotto, o paciente portador dessa doença tem uma vida dramática. “A doença mina sua independência, muitas vezes não consegue nem tomar banho sozinho”, afirma. “O Aeson é promissor em razão de sua duração. Os atuais funcionam por um ano, mas depois podem surgir complicações como coágulos, trombos e infecções.”

A busca por um dispositivo sintético para substituir o coração começou na década de 1960. Antes disso, em 1937, há registro de um transplante de coração animal, realizado em um cão, pelo médico russo Vladimir Petrovich Demilkhov. O procedimento em humanos só veio a ser realizado com sucesso a partir dos anos 1980. A maioria dos dispositivos substitui parcialmente o coração, geralmente o lado esquerdo que é o mais afetado, como é o caso do órgão artificial criado pela empresa americana SynCardia. A expansão da invenção da Carmat é um alento para muitos corações em todo o mundo.