RESUMO

• Tradicional drinque feito com suco de tomate ganha novos temperos e receitas inovadoras
• Ingredientes exóticos vão da alga nori ao molho de ostra
• Bartenders inovadores trocam a vodca por destilados como cachaça e o mexicano mezcal

Drinques ganham e perdem popularidade à medida em que surgem novas tendências na coquetelaria mundial. Há receitas, no entanto, que acumulam fieis seguidores ao longo de quase um século de história. É o caso do Bloody Mary, cuja origem é disputada pelo bartender francês Fernand Petiot e o ator norte-americano George Jessel. Criado na década de 1920, o coquetel resiste firme até hoje nos bares, restaurantes e hotéis. Os bartenders mais originais, no entanto, têm brindado o público com algumas alterações na fórmula original.

Suco de tomate, vodca, molho inglês, sal, limão siciliano e pimentas compõem o primeiro registro da bebida em livro de 1941, mas diferentes versões têm sido apresentadas com o passar dos anos, como o Red Snapper, com gin, ou o Bloody Maria, com tequila.

No Brasil, uma nova leva de profissionais acompanha o próspero momento da coquetelaria nacional e cria variações sobre o clássico global. Em São Paulo o restaurante Komah faz o drinque com kimchi (conserva de hortaliças coreana).
O Aizomê usa vodca japonesa, extrato de umami e wasabi (raiz forte).
O vegetariano Quincho é adepto de referências orientais, com a inclusão do missô na mistura.
No Rio de Janeiro, o Bloody Macuxí do Nosso leva cachaças e caxiri (licor de mandioca fermentada).
Já o Bloody Mary do Elena traz os molhos ponzu e tonkatsu, ambos de origem nipônica.

Bloody Macuxí, do bar Nosso: com blend de cachaças, a criação do bartender Daniel Estevan traz ainda caxiri, um licor fermentado de mandioca (Crédito:Divulgação )

No Pina, em São Paulo, há sete tipos de Bloody Mary. O próximo passo é inaugurar uma carta exclusiva para a bebida, que faz parte da vida de Gabriel Szklo desde a infância ­— na versão sem álcool, o Virgin Mary, obviamente. Acompanhados de uma azeitona siciliana e com aparência similar entre eles, o diferencial está nas combinações. “A questão é a harmonização da bebida destilada com cada um dos molhos”, diz o bartender, que é formado em história e tem quase 200 livros sobre alimentação e coquetelaria em sua coleção.

São dois os molhos que ele elabora semanalmente:
um com dill (endro), salsão e raiz forte;
o outro traz coentro, orégano, alho e pimenta jalapeño, além dos ingredientes básicos.

Entre os destilados utilizados estão cachaça branca e amburana, gin, tequila, uísque e jerez. Uma das opções que inclui esse vinho fortificado espanhol leva água de tomate (e por isso é translúcido) e elementos asiáticos: nori, gergelim, chá preto e missô.

“Há quem ame e quem odeie, mas os que gostam sempre vão atrás de um bom Bloody Mary. O drinque desperta uma paixão única nas pessoas e dá margem para novidades.”

Ele lembra que nos EUA as variações do drinque de tomate já são consumidas há muitos anos: há o clamato, que leva mariscos, e o bullshot, com caldo de carne, ainda pouco encontrado no Brasil. “Ainda temos uns degraus a escalar.”

O chef Ricardo Lapeyre, do Le Bulô, na capital paulista: molho de ostra ressalta o umami presente no tomate (Crédito:Rogerio Cassimiro)

Na onda do mar

O suco de tomate temperado e com álcool era um dos favoritos do autor Ernest Hemingway, que chegou a registrar sua receita em uma carta de 1947. “Em jarra grande”, escreveu ele, e é em copo longo que o drinque segue sendo servido em estabelecimentos como o Le Bulô, na capital paulista.

Criação do chef Ricardo Lapeyre, em parceria com a bartender Jessica Sanchez, o Petit Conseil leva vodca (ou mezcal, destilado da mesma planta da tequila), suco de tomate artesanal e mix de temperos marinhos, como alga nori e molho de ostra, além de óleo de gergelim torrado.

Com guarnição de crocante da mesma alga com papel de arroz, tartar de atum e chantilly de wasabi, o Bloody Mary que traz as cores e o nome inspirado no Flamengo, time do carioca de raízes francesas, faz sucesso, sobretudo, aos domingos. “É o dia que mais vende o drinque, porque está associado ao brunch. É quase uma entrada, serve para começar o almoço.”

O próprio George Jessel escreveu em sua autobiografia que o coquetel foi criado no início do dia, para curar a ressaca.

Lapeyre confirma que as novidades nas receitas do Bloody Mary têm relação com a evolução do universo da gastronomia e as bebidas. “Os bons restaurantes de hoje têm um nível de coquetelaria que, há quinze anos, os melhores bares não tinham. A evolução vem com relação a tudo, do serviço ao copo utilizado. Assim como surgiram atualizações do Negroni e Boulevardier, precisamos fazer o mesmo com o Bloody Mary.”