COP30 tira fósseis do acordo e Brasil promete rota paralela

COP30 tira fósseis do acordo e Brasil promete rota paralela

"ÚltimaPaíses chegam a consenso após embates duros. Com exclusão de combustíveis fósseis do documento, presidência brasileira propõe entregar mapa até fim de sua gestão.Depois da prorrogação das negociações pela madrugada, a Conferência do Clima da ONU em Belém, COP30, bateu o martelo na noite deste sábado (22/11). A reunião final teve momentos conturbados, mas adotou um pacote de 29 textos.

A proposta para uma rota de abandono dos combustíveis fósseis, ponto não previsto na agenda inicial mas que cresceu nos corredores e chegou à mesa dos diplomatas, ficou de fora. O presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, reconheceu a decepção de muitos e se comprometeu a trabalhar num caminho alternativo.

"Prometo que vou tentar não desapontar vocês. Nós precisamos de mapas para que possamos ultrapassar a dependência dos fósseis de forma ordenada e justa. Vou criar dois mapas: um para reverter desmatamento e [outro para] fazer transição para longe dos fósseis", anunciou para a sua missão pós-Belém na presidência, que segue até às vésperas da próxima COP.

Pela sala, as emoções estavam divididas entre frustração, alívio por um acordo ter saído e tensão. Prevista inicialmente para iniciar às 10 horas da manhã, a sessão começou mais de três horas depois, e foi paralisada por cerca de uma hora após protestos de delegações.

Em seu discurso de despedida na plenária, a ministra brasileira do Meio Ambiente, Marina Silva, agradeceu a presença de todos, se desculpou à brasileira por incidentes, foi ovacionada e se emocionou.

"Talvez não os tenhamos recebido como vocês merecem, mas recebemos da forma como achamos que é o nosso gesto de amor à humanidade e ao equilíbrio do planeta", disse ao finalizar sua intervenção.

Do Brasil, a COP seguirá para a Turquia. O país disputava o posto de anfitrião com a Austrália que, ao fim, ficará com a presidência como representantes das nações-ilhas do Pacífico. O impasse foi resolvido nos momentos finais da conferência no Brasil.

O impacto da Colômbia

Corrêa do Lago interrompeu a sessão após um firme protesto da Colômbia. A delegada Daniela Durán González disse ter sido ignorada num momento crucial da discussão. Momentos antes, o embaixador havia aprovado a adoção do Programa de Transição Justa – aparentemente sem objeções.

Ao microfone, a representante colombiana alegou que tinha pedido a palavra para dizer que seu país não concordava com o que estava escrito sobre o tema no documento adotado. O país queria a inclusão do termo "transição para longe de combustíveis fósseis" no próximo diálogo, e não apenas a produção de um relatório, como dizia o texto.

Rapidamente outros países latinos, como Chile, Peru, Uruguai e Panamá, endossaram a queixa e manifestaram preocupação com o procedimento da presidência. Diversos grupos se formaram imediatamente e alguns países consideraram até abandonar o local. Diplomatas brasileiros ouviram as demandas, a sessão foi retomada e Corrêa do Lago se desculpou.

"Basicamente, nós não vimos. Tivemos que parar para entender sobre o que eles estavam reclamando", explicou o embaixador horas mais tarde numa coletiva de imprensa, alegando dificuldade em perceber a manifestação dos delegados ao mesmo tempo em que lia os textos no palco. Os países que protestaram concordaram em apoiar o texto final mediante o compromisso de levar a discussão para as reuniões preparatórias da próxima COP.

Durante as duas semanas de negociações em Belém, a Colômbia encabeçou uma coalizão para propor um mapa rumo ao fim da era do petróleo. A proposta ganhou adesão de 80 países, mas não entrou nos documentos oficiais. O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu em seu discurso a inclusão deste ponto nos debates.

"Muitos países queriam mover mais rápido em temas como eliminação dos combustíveis fósseis e financiamento, mas as negociações são difíceis", comentou Simon Stiell, secretário da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês).

Bom, mas podia mais

A União Europeia (UE) demorou para encontrar concordância. A DW apurou que a França foi um dos países que mais apresentaram resistência ao documento e ameaçou bloquear o acordo. O bloco brigou pela inclusão do fim da era fóssil – os europeus Alemanha, Dinamarca, Holanda e Reino Unido também se juntaram à coalizão formada pela Colômbia.

Maria da Graça Carvalho, ministra de Meio Ambiente de Portugal e negociadora-chefe da UE, lembrou o desafio de se chegar a uma unanimidade no atual contexto geopolítico.

"É um acordo bom. Tem ambição nas emissões e também tem uma parte muito importante do financiamento à adaptação, que é o que os países em desenvolvimento estavam a pedir", declarou Carvalho à DW antes da plenária começar.

A visão de países menos desenvolvidos é diferente. Alguns membros de delegações africanas se diziam decepcionados. Eles consideram insuficiente o que é oferecido pelo acordo em termos de financiamento para as nações mais pobres.

O que foi decidido

A criação de um mecanismo de transição justa é considerada um avanço. Stella Herschmann, especialista do Observatório do Clima, diz que isso é uma oportunidade para aproximar as negociações da vida das pessoas, já que ele se propõe a combater as desigualdades sociais no processo rumo a uma economia de carbono neutro.

O documento final fala em triplicar a meta do financiamento destinado à adaptação às mudanças climáticas, mas não está claro o valor que será considerado como ponto de partida. Organizações da sociedade civil criticaram a postura das nações ricas e maiores emissoras históricas.

"Em vez de consolidar compromissos mensuráveis, previsíveis e suficientes para uma nova meta pós-2025, os países ricos preservam espaço para a ambiguidade e condicionam recursos a mecanismos de mercado que beneficiam mais o setor financeiro do que os territórios em colapso", avaliou o Instituto Internacional Arayara.

"De um lado, não avança na mitigação como deveria, de outro, não mobiliza os recursos para a adaptação que os países mais vulneráveis precisam", criticou Caroline Pasquale, do Greenpeace Brasil.

Correndo por fora

Ainda na plenária, Edward Miliband, representante para o Clima do Reino Unido, elogiou à DW a postura de Corrêa do Lago de propor, para depois da COP30, meios de abordar o mapa do caminho para eliminação dos combustíveis fósseis.

Em resposta à falta de consenso sobre o tema, Corrêa do Lago quer juntar todo o conhecimento disponível em torno da produção de energia no mundo para propor trajetórias limpas. A missão vai envolver ciência, sociedade civil e agências de energia em debates, para depois desenvolver um relatório que será repassado à próxima presidência.

Segundo o embaixador, a ideia foi amplamente divulgada por Lula e Marina Silva. Ele tinha uma visão mais conservadora por saber da dificuldade em conseguir concordância no contexto da COP.

"E esse é o ponto crucial. É muita coisa. Quer dizer, tudo aconteceu muito rápido", comentou Matthew Webb, observador do Reino Unido sobre a decisão do presidente da COP30.

Os povos dentro e fora da COP

A edição amazônica contou com a maior participação indígena da história. Dentro e fora do espaço dedicado às reuniões diplomáticas, mais de 5 mil representantes dos povos originários participaram de debates em Belém. Cerca de 300 deles tinham acesso à zona azul, onde ocorriam as negociações.

Para movimentos indígenas, a avaliação é positiva. Os protestos organizados dentro e fora do espaço, a presença em debates e a união dos movimentos de toda a bacia amazônica deixam um impacto duradouro, avaliou Alana Manchineri, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).

"O texto do mutirão que saiu da COP30 faz menção aos territórios indígenas como uma medida de proteção climática, aos nossos direitos. Para nós, é importante ter esse reconhecimento", disse ela à DW, lamentando a ausência de pontos como financiamento climático destinado diretamente aos indígenas.

Além dessa menção, o pacote entregue Belém também reconheceu os afrodescendentes como um grupo vulnerável às mudanças climáticas, assim como mulheres e meninas. Esta pauta era uma das prioridades do Brasil, afirmou a negociadora-chefe Liliam Chagas.