O relógio se aproximava das 20 horas na última quinta-feira, o vento gelado começava a incomodar e a previsão era de que, naquela noite, uma nova frente fria derrubasse a temperatura na capital paulista. Alheio ao presente e às previsões para o futuro, seu Erasmo dormia em uma calçada da Rua Professor Laerte Ramos de Carvalho, na Bela Vista, região central de São Paulo. Sem colchão nem cobertor, o morador de rua podia se tornar vítima de hipotermia se o frio chegasse com força.

A médica Maíra Guedes Jacob, de 36 anos, não teve dúvidas. Era melhor acordar o homem para checar suas condições de saúde e oferecer atendimento médico e abrigo. Naquele momento, ela e a equipe do projeto Consultório na Rua, da Secretaria Municipal da Saúde, já haviam percorrido três quilômetros a pé pelo bairro oferecendo auxílio a moradores de rua e buscando identificar aqueles com maior risco de hipotermia.

O projeto existe há cinco anos e oferece atendimento especializado à população de rua tanto em unidades básicas de saúde (UBSs) quanto nas vias públicas. No ano passado, foram 205 mil atendimentos. Há 18 equipes distribuídas pela cidade. Todas contam com médico, enfermeiro, psicólogo, assistente social e auxiliares de enfermagem, além de agentes sociais e de saúde. Neste ano, no entanto, com a morte de cinco moradores de rua durante uma onda de frio em junho, a Prefeitura ampliou o horário de atendimento das equipes para além do funcionamento das UBSs. Todos os dias, das 17h às 20h, profissionais de saúde do projeto percorrem as vias da cidade com a missão de identificar e cuidar dos mais vulneráveis.

No caso do seu Erasmo, a checagem das condições de saúde se tornou mais complicada por causa da embriaguez. Nem idade nem sobrenome foram revelados pelo homem que aparentava 50 e poucos anos. “À noite até conseguimos encontrar mais moradores de rua, porque eles ficam mais parados, mas há a dificuldade de fazer o atendimento, porque é o período em que eles costumam estar mais sob o efeito de drogas ou álcool”, diz Maíra.

As ações básicas da equipe são medir a temperatura e a pressão do paciente. Se o termômetro marcar menos de 35,8ºC, a orientação é chamar uma ambulância do Samu. “Abaixo de 35ºC consideramos uma hipotermia leve, mas já acendemos o alerta a partir dos 35,8ºC porque, em geral, de madrugada, a temperatura cai ainda mais e não estaremos aqui nesse momento”, explica Maíra. “E o pior é que, como o álcool dá a impressão de esquentar o corpo, ele esconde a percepção de frio.”

Como a pressão e a temperatura de seu Erasmo estavam normais, o máximo que a equipe pôde fazer foi chamar um veículo da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social para levá-lo a um abrigo, oferta recusada pelo morador de rua após quase 40 minutos de tentativa dos funcionários.

Apoio

Nas abordagens, a médica tem o auxílio de agentes sociais que já foram moradores de rua. A contratação desses profissionais é feita pela ONG Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, uma das entidades que administram o projeto, em parceria com a Prefeitura.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.