O motorista de aplicativo Claudio Santos, de 36 anos, morador da comunidade Jardim Rosana, zona sul de São Paulo, ficou feliz quando soube que receberia um auxílio financeiro do governo. Antes do coronavírus, Santos era o principal alicerce financeiro da casa. “Eu conseguia pagar as contas e não faltava o básico”, conta. Desde o início da quarentena, porém, não tem como pagar os R$ 1.400 referentes à mensalidade do carro alugado, mesmo trabalhando quatorze horas por dia: sua renda foi reduzida a zero. Com os R$ 600 que recebeu do governo, pagou as contas mais urgentes e ajudou a mãe “a comprar a mistura”. Asmático, Santos tem medo de ser contaminado pela Covid-19, mas alega que precisa contribuir em casa com algum valor pois a aposentadoria da mãe não é suficiente. “Não tem jeito, tenho três filhos, minha mãe tem 71 anos. O governo tinha que nos pagar pelo menos um salário mínimo.”

INVISÍVEIS Sem registro: 5,5 milhões de brasileiros não têm conta em banco ou acesso à internet, nem estão no sistema de banco de dados do governo (Crédito:Divulgação)

Um estudo do Banco Mundial acende a luz vermelha em relação ao aumento da miséria no Brasil: segundo a instituição, ao final de 2020, o País terá uma retração do Produto Interno Bruto (PIB) de 5,2%, a maior queda em 120 anos. Com isso, 5,5 milhões de brasileiros podem passar a viver em condições de extrema pobreza, elevando o número total de miseráveis no País a 14,7 milhões de habitantes. O cálculo estima a quantidade de pessoas que vivem com menos de US$ 1,90 por dia, equivalente hoje a cerca de R$ 300 por mês.

O valor de R$ 600 prometido pelo governo federal permite apenas a compra de uma cesta básica em São Paulo, por exemplo, onde o valor registrado é de R$ 517,51, segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos, (Dieese). Além de ser considerado um valor longe do ideal para resolver as dificuldades financeiras da população brasileira, a realização do cadastro impõe certas dificuldades para o cidadão de baixa renda. Para que o trabalhador possa receber o benefício, é preciso se cadastrar em um aplicativo disponível apenas para smartphones.

Fraudes no aplicativo

A conferência dos dados é demorada e a página já foi copiada por hackers. Assim, as pessoas que se cadastraram erroneamente, ávidas pela ajuda, tiveram seus dados roubados – 6,7 milhões já baixaram até agora aplicativos falsos desde o lançamento do programa pela Caixa, em 7 de abril. Além disso, há a chamada “população invisível”, os 5,5 milhões de brasileiros que não têm conta em banco ou acesso à internet, nem fazem parte do banco de dados do Cadastro Único. Nesse sistema, onde há 70 milhões de pessoas inscritas, apenas 17,9 milhões foram contempladas até agora.

Para acelerar os trâmites, o Senado Federal aprovou na quarta-feira (22) uma ampliação emergencial para pagamento do benefício sem necessidade da apresentação do documento de CPF. Com a medida, motoristas de táxi e aplicativo, diaristas, pescadores, eletricistas, entre outras categorias, passarão a ter o acesso facilitado. A medida ainda tem que ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Na seara estritamente econômica, a Caixa finalizou uma lista com 40,5 milhões de cadastros habilitados a receber o benefício. Do total, 23 milhões já tiveram os dados checados e confirmados. A questão é que a condição de quarentena precisa ser cumprida com rigor e os trabalhadores da base da pirâmide vivem do que ganham no dia a dia, por isso precisariam de uma logística de pagamento mais ágil.

Para o professor Guilherme Santos Mello, do Instituto de Economia da Universidade de Campinas, o recurso é pequeno e chegou tarde. “Se o salário mínimo é de R$ 1.039, faria sentido que o auxílio fosse algo próximo a esse valor”, afirma. Segundo o professor, o atraso da equipe econômica é sinal da ineficiência do governo. Para ele, uma série de medidas poderiam ter sido tomadas para reduzir os danos causados pela pandemia: maiores recursos para a saúde; recomposição da renda familiar; apoio às micro e pequenas empresas; auxílio aos entes da federação; por último, formas de ajudar o sistema financeiro para evitar uma quebradeira geral. “O governo já deveria ter uma estratégia pragmática para manter o funcionamento básico da econômica”, diz. Tudo indica que, além das vítimas da nova doença, teremos que enfrentar um velho inimigo ainda mais forte: o fantasma da miséria.

“Eu conseguia pagar as contas e não faltava o básico. Agora a renda caiu a zero. O governo tinha que nos pagar pelo menos um salário mínimo” Claudio Santos, motorista de aplicativo