Apenas levando em conta tragédias de alcance regional no mês de março, um ciclone matou mais de 400 pessoas entre Malawi, Moçambique, e Madagascar, na África; chuvas bruscas inundaram pontos da Turquia, a porta entre Oriente e Ocidente já tragicamente afetada por terremotos; chuvas encerraram a seca de três anos na Califórnia, mas podem se tornar dilúvios nos próximos meses. Uma amostra se deu com a tempestade de ventos a 130 km/h em São Francisco, e são esperados repiques cada vez mais frequentes em cidades da América. Em meio a esse cenário, o mundo tem menos de dez anos para tomar medidas efetivas que brequem a corrida rumo ao colapso climático.

Esse é o principal alerta do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, apresentado nesta semana e que reúne seis relatórios sobre a catástrofe anunciada. É segurar o aquecimento global no simbólico 1,5 grau Celsius a mais do que a temperatura média que o mundo conhecia na era pré-industrial — e, para isso, zerar até 2050 as emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa que derretem o planeta —, ou entrar na mais sombria era dos extremos. E não serão mais ficção científica em telas de cinema as cenas com cidades litorâneas desaparecendo e florestas inteiras queimando, espécies se extinguindo e secas provocando falta de alimentos, com desnutrição, mais doenças infecciosas e mortes.

Relatório da ONU sobre crise global mostra fracasso dos grandes acordos mundiais
FOGO Queimadas provocam secas e, por consequência, falta de alimentos e desnutrição (Crédito:Fred Greaves)

“Esse é o maior desafio que a humanidade já enfrentou, em cinco mil anos de civilização”, como destaca Carlos Nobre, climatologista brasileiro reconhecido como uma das maiores autoridades mundiais em florestas. E o Brasil, de acordo com o professor, tem papel preponderante na situação emergencial em que o planeta se encontra. Apesar de sempre incluído na lista de tragédias climáticas (os desmoronamentos em São Sebastião foram apenas a mais recente), “o Brasil pode se tornar o primeiro dos cinco países que mais liberam gases de efeito estufa a alcançar o objetivo de zerar a emissão até 2050, estipulado pelo Acordo de Paris 2015”. Hoje, os grandes responsáveis pelo aquecimento global são, pela ordem, China, EUA e Rússia, mais a Índia, que ultrapassou o Brasil, agora seguido nesse ranking pela Indonésia.

2050 é o limite para o mundo zerar emissões de gases de efeito estufa e evitar a catástrofe climática

1,5 grau Celsius é o máximo de aquecimento para o planeta não entrar em uma era de extremos sem volta

“Zerar desmatamento e reflorestar, utilizando a agricultura regenerativa, é o caminho mais viável. É mais barato e eficiente para atingir essa meta. E a nossa ministra do Planejamento, a Simone Tebet, precisa ter isso em conta”, assinala. “Estamos em uma emergência climática que demanda o mesmo nível de preocupação que uma guerra global.”

Pandemia é exemplo

Carlos Nobre toma a pandemia como referência de esforços que em meses resultaram em lockdown de populações e, em menos de um ano, na vacina que rodou o planeta. A mesma velocidade de medidas não se vê com relação à urgência nas providências climáticas, tema tratado há mais de três décadas na ECO92 que não avança em acordos globais de vulto. Não há movimentação dos grandes países em cumprir tais compromissos. “Em vez de diminuírem, as emissões só aumentaram. E ainda estão crescendo”, destaca o professor. Também é evidente como os investimentos verdes ainda não são prioridade. Em 2021, na COP26 de Glasgow, estimou-se um mínimo de US$ 600 bilhões/ano necessários para a questão climática e ninguém se ofereceu para colaborar. “Enquanto isso, quantos trilhões já foram investidos na guerra na Ucrânia em um ano? Uma guerra de poder político. Dinheiro existe, mas onde está sendo aplicado?”

Relatório da ONU sobre crise global mostra fracasso dos grandes acordos mundiais
“É o maior desafio que a humanidade já enfrentou, em cinco mil anos” Carlos Nobre, climatologista, sobre a meta de zero emissões poluentes até 2050 (Crédito:Marco Ankosqui)

Segundo o relatório do IPCC, seria preciso investir de três a seis vezes mais do montante aplicado hoje, se o mundo não quiser terminar o século com 2,1 a 2,9 graus a mais. O planeta já está 1,1 grau mais quente, em relação à era pré-industrial — bem perto da meta de 1,5. E se a guerra na Ucrânia freou as mudanças de fontes energéticas, alguns países europeus voltaram a se valer de combustíveis fósseis, dos mais poluentes. Na China foram emitidas mais 168 licenças para usinas a carvão, segundo o Centro de Pesquisa em Energia e Ar Limpo da Finlândia, e os EUA aprovaram um megaprojeto de perfuração de petróleo em terras intocadas do Alasca. Se potências seguem ostensivamente no contrafluxo, o IPCC lembra: nesse cenário caótico, as mais atingidas são as populações vulneráveis — que somam nada menos de 3,3 bilhões a 3,6 bilhões de pessoas, ou perto da metade do planeta.