BASTIDORES Guedes tentou sensibilizar ministros do TCU para aprovar a privatização (Crédito:Adriano Machado)

Em uma corrida contra o relógio, o presidente Jair Bolsonaro vem barganhando e pressionando a base governista para conseguir aprovar projetos e destravar planos de privatizações e de concessões, de olho na reeleição. Ao assumir, em 2019, o governo prometia, por exemplo, se desfazer de 17 empresas estatais. Mas chegou até aqui sem ter privatizado nenhuma delas. Um dos focos era a Eletrobrás, a maior empresa de energia do País, mas o projeto estava há oito meses parado no Tribunal de Contas da União (TCU) para análise. Na terça-feira, 15, os ministros do TCU se reuniram e decidiram destravar a venda da companhia, mesmo depois de encontrar falhas na precificação da negociação, que pode elevar a conta da luz. Por resolução da maioria, a Eletrobrás poderá ir à venda por R$ 67 bilhões, dos quais R$ 25,3 bilhões vão para a União, R$ 32 bilhões, para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e o restante, para a revitalização de bacias hidrográficas como a do Rio São Francisco e de rios de Minas Gerais e de Goiás. A partir de agora, começa outra fase do processo, que é o cálculo do preço da ação para a capitalização da empresa, que também será analisado pelo tribunal de contas – ou seja, ainda há muito trabalho pela frente. Foram seis votos a favor e apenas um contra a liberação do processo, o do ministro Vital do Rêgo, que alegou erro técnico na metodologia do cálculo da precificação das empresas.

Para chegar ao valor de mercado, o projeto usa como base de cálculo a produção média de energia, mas o correto – e previsto em lei – seria computar pelo total de energia produzida por hidrelétrica. Caso a base fosse essa, o preço da negociação aumentaria em R$ 63 bilhões, segundo técnicos do TCU. A mudança quase que dobraria o preço da venda e poderia inviabilizar a negociação, o que era uma das grandes preocupações do ministro Paulo Guedes que, nos bastidores, tentou sensibilizar os ministros sobre a importância de uma privatização, ainda que simbólica. “É um erro absurdo, crasso”, disse Vital do Rêgo durante a votação. “Estamos vendendo a Eletrobrás pela metade do preço.”

Essa foi uma das questões já levantadas em dezembro, quando Rêgo pediu vistas do processo para analisar os impactos setoriais que a venda poderia causar para o consumidor e para a União. Além dos cofres públicos receberem menos, o cálculo também impacta na conta de luz, pois não considera o risco hidrológico dos próximos anos. Para conseguir aprovação da matéria no Congresso, em 2021, Bolsonaro teve de barganhar com a base governista. Foram negociadas 19 emendas estranhas ao texto original, que acrescentaram R$ 7 bilhões ao preço de venda, chegando a R$ 67 bilhões. O governo teve que incluir indenização de R$ 260 milhões pela privatização à Companhia Energética do Piauí, a pedido do então senador Ciro Nogueira (PP-PI). O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, apoiou a bancada mineira para alterar a distribuição das térmicas à gás, prevendo a contratação de 750 MW na região do Triângulo Mineiro, que saíram da cota do Norte e Centro-Oeste. Para os especialistas, os congressistas conseguiram piorar o projeto do governo.

O plano de Paulo Guedes é finalizar o processo de privatização até maio, quando quer lançar as ações da companhia nas Bolsas de Nova York e São Paulo. Depois dessa data, o calendário eleitoral pode comprometer a privatização – o que deixaria Bolsonaro com menos trunfos durante a campanha. Por isso, a pressão para que o projeto avance é grande e transpareceu na fala dos ministros do TCU. O relator Aroldo Cedraz, por exemplo, deixou claro que não houve intenção de comprometer o andamento do processo. “Esse será sempre um setor essencial à vida de todos e por isso tem a importância que tem”, disse durante a sessão de votação, justificando o período de oito meses de análise. “Quando encaminhamos esse processo, no ano passado, me senti livre de um peso sobre os ombros, pois a matéria é ampla e complexa.” Mas, do jeito que está o projeto, é certo que, no final de tudo, a conta de luz vai acabar saindo mais cara para o consumidor.

Concessões travadas

O governo Bolsonaro perdeu de vez a chance de ganhar visibilidade com a sétima rodada de privatizações de aeroportos. O leilão do Santos Dumont (RJ), que era uma das grandes estrelas desse processo, foi adiado para o ano que vem. Também ficou para 2023 o destino do Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão, localizado na Ilha do Governador (RJ). Os dois devem ser leiloados em conjunto. A mudança de planos foi puxada pela decisão da RIOGaleão, controlada pelo grupo Changi, de apresentar um pedido de devolução da administração do aeroporto internacional ao governo do Estado. O movimento do terminal foi muito abalado com a pandemia e a crise econômica. O plano anterior do governo era ampliar o Santos Dumont para que recebesse voos internacionais, o que causou descontentamento do prefeito Eduardo Paes e de empresários. Contrariando o projeto federal, a proposta do governo fluminense é ter no Santos Dumont apenas voos de ponte-aérea e para cidades num raio de 500 km. O formato evitaria concorrência entre os dois terminais.