A Constituição do Brasil, promulgada em 1988, foi traduzida pela primeira vez para uma língua indígena, em um gesto “histórico” de “valorização e respeito” aos povos originários, afirmou nesta quarta-feira (19) a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber.

O texto foi redigido em nheengatu, também conhecida como “Língua Geral Amazônica”, que por muito tempo serviu como meio de comunicação em território brasileiro após a chegada dos portugueses em 1500, mas que hoje é compartilhada apenas por alguns milhares de habitantes.

“Levamos 523 anos para chegar a este momento, que considero histórico”, afirmou a ministra Rosa Weber durante a cerimônia de apresentação da Carta Magna traduzida, no município de São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas.

“É um gesto de valorização e respeito à cultura e à língua indígena”, acrescentou Weber, na presença de autoridades indígenas.

A Constituição foi traduzida do português por 15 especialistas indígenas bilíngues em apenas três semanas, de acordo com um comunicado divulgado pelo STF, que patrocinou o trabalho em conjunto com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Com uma coroa de penas na cabeça, Weber estava acompanhada por Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, pasta criada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao assumir o poder para um terceiro mandato, em janeiro.

É um “gesto de respeito às tradições indígenas”, destacou Guajajara.

A Constituição do Brasil, redigida após a ditadura (1964-1985), consagra o português como o único idioma oficial.

No entanto, no país de 203 milhões de habitantes, mais de 200 línguas indígenas sobrevivem, de acordo com especialistas. São Gabriel da Cachoeira reconhece oficialmente o nheengatu e outras línguas autóctones.

Em perigo de extinção, de acordo com a Unesco, o nheengatu descende do tupi antigo, a língua falada pelas comunidades indígenas que viviam no litoral brasileiro antes da chegada dos europeus.

Atualmente, cerca de 19.000 pessoas falam essa língua em comunidades remotas de diferentes povos amazônicos do Brasil, Colômbia e Venezuela, segundo o Endangered Languages Project (Projeto de Línguas Ameaçadas) do Google.

Os indígenas poderão “conhecer seus direitos em sua própria língua”, disse Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Uma das principais reivindicações atuais dos indígenas brasileiros está relacionada à interpretação jurídica da Constituição e seus territórios.

O STF debate desde 2021 se valida ou rejeita a tese do “marco temporal”, que reconhece apenas como terras indígenas aquelas ocupadas pelos povos originários quando a Carta Magna foi promulgada, em 1988.

De acordo com o censo de 2010, vivem no Brasil cerca de 800.000 indígenas, a maioria em reservas que ocupam 13,75% do território.

rsr/mel/am/rpr

GOOGLE