Conservadores alemães miram apoio estatal a ONGs após protestos

Conservadores alemães miram apoio estatal a ONGs após protestos

"MilharesCDU de Friedrich Merz questiona neutralidade política de grupos que protestaram contra aproximação da sigla com a ultradireita. Medida pode prejudicar negociações sobre futura coalizão de governo com social-democratas.Nas últimas semanas, centenas de milhares de manifestantes foram às ruas na Alemanha para protestar contra o partido conservador União Democrata Cristã (CDU), após a sigla votar propostas para políticas de migração mais rigorosas juntamente com o partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD).

Os manifestantes acusaram a CDU e seu líder, o provável futuro chanceler da Alemanha Friedrich Merz, de romper o chamado "cordão sanitário" – o consenso há muito estabelecido entre os principais partidos da Alemanha sobre isolar a extrema direita das decisões políticas.

Os protestos foram organizados por uma série de ONGs como a Omas gegen Rechts ("Vovós contra a extrema direita"), o grupo ambiental Nabu e a entidade München ist bunt ("Munique é diversa").

Muitas das associações e iniciativas envolvidas nos protestos são financiadas não apenas por doações e taxas cobradas de seus membros, mas também por subsídios estatais. As organizações de caridade também são elegíveis para isenções fiscais.

Legalmente, porém, a situação desses grupos é um tanto instável porque eles têm permissão para se envolver em questões sociais, mas não necessariamente para se posicionar a favor de um determinado lado em relação a políticas partidárias.

Conservadores questionam apoio estatal

Porém, se acreditarmos nas palavras da CDU e de sua legenda coirmã na Baviera, a União Social Cristã (CSU), algumas dessas ONGs violaram esse princípio ao se envolver nos protestos.

Por esse motivo, o especialista em finanças da CDU/CSU, Mathias Middelberg, anunciou em uma entrevista em meados de fevereiro que iria examinar "de maneira muito crítica" os programas de apoio estatal em termos de quem estaria se beneficiando deles para, potencialmente, cortar por completo o financiamento federal a esses grupos.

O bloco conservador no Parlamento já formalizou um inquérito parlamentar junto ao governo federal para obter essas informações.

As siglas dizem que o pedido foi feito por causa dos protestos contra a CDU "que foram parcialmente organizados ou apoiados por associações de caridade ou organizações financiadas pelo Estado". O inquérito de 32 páginas contém 551 perguntas sobre um total de 17 ONGs.

Neutralidade política: questão de interpretação?

Em seu inquérito parlamentar, a União – nome dado ao bloco formado pela CDU e CSU – se refere a um artigo no jornal alemão Welt, de tendência conservadora, no qual vários especialistas em direito constitucional expressaram opiniões bastante críticas sobre as manifestações.

"Associações que ajudaram a organizar manifestações contra a quebra do 'cordão sanitário' não agiram em uma base caritativa", argumentou Volker Boehme-Nessler da Universidade de Oldenburg. "As manifestações eram unilateralmente políticas. Elas eram direcionadas concretamente contra um partido, a CDU."

Dietrich Murswieck, especialista jurídico que lecionou na Universidade de Freiburg até 2016, apresenta uma visão semelhante.

"Se um grupo de conservação da natureza protesta que uma resolução parlamentar ignorou o 'cordão sanitário', isso não tem nada a ver com seu propósito caritativo de proteger o meio ambiente", analisou.

Maximilian Schiffers, cientista político da Universidade de Duisburg-Essen, tem uma visão muito diferente sobre o preceito de neutralidade política, que também é tema de debate nos círculos acadêmicos.

"Isso não significa que as organizações tenham que ser neutras em questões políticas. Elas simplesmente não têm permissão para fazer campanha para um partido em particular", afirmou à DW.

Questões "politicamente neutras"?

De acordo com Schiffers, a própria Constituição alemã não é neutra, "particularmente quando se trata de direitos humanos, liberdades civis, proteção ambiental e climática e participação em processos democráticos de tomada de decisão". Em vista disso, as organizações da sociedade civil também não precisavam ser neutras, concluiu.

A ONG Sociedade pelos Direitos Civis (GFF), que é financiada por doações e taxas pagas por seus membros, também critica a maneira como os conservadores e a AfD cerraram fileiras para a votação da moção anti-imigração no Parlamento.

"É sempre possível apoiar princípios democráticos e examinar objetivamente posições tomadas por um partido que são problemáticas do ponto de vista do direito constitucional", disse a entidade em comunicado à imprensa.

A GFF enfatizou que tais ações são até desejáveis para permitir o discurso democrático aberto refletido na Constituição alemã.

Tentativa de intimidação?

A organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), que luta pela liberdade de imprensa em todo o mundo, foi ainda mais explícita em suas críticas à ação tomada pelo bloco conservador CDU/CSU. Sua diretora para a Alemanha, Anja Osterhaus, acusou os conservadores de tentar intimidar vozes críticas da sociedade civil.

Embora tenha admitido que os inquéritos parlamentares movidos pelos partidos sejam um importante mecanismo de monitoramento, Osterhaus considera "preocupante que o grupo parlamentar CDU/CSU usasse esse meio para exigir informações sobre organizações de mídia que são conhecidas por seu jornalismo investigativo".

Os inquéritos da CDU/CSU incluem perguntas sobre as organizações independentes de mídia alemãs Correctiv e Netzwerk Recherche, que atuam no jornalismo investigativo.

No início de 2024, a Correctiv, que também recebe dinheiro do Estado, relatou uma reunião em Potsdam com a presença de figuras extremistas de direita e conservadoras. A reunião foi supostamente realizada para discutir planos para realizar deportações em massa de pessoas com histórico de imigração da Alemanha – a chamada "remigração". As revelações desencadearam manifestações em massa em todo o país contra o extremismo de direita e a AfD.

Líder do SPD acusa "jogo sujo"

O debate sobre o apoio estatal a organizações de caridade também prejudica as relações entre o bloco CDU/CSU e seus potenciais parceiros em uma futura coalizão de governo do Partido Social-Democrata (SPD). Na sexta-feira, tiveram início em Berlim as primeiras conversas entre as duas legendas após as eleições de 23 de fevereiro, nas quais o bloco conservador saiu vitorioso.

O colíder do SPD Lars Klingbeil, que também lidera a bancada parlamentar do partido, acusou a CDU e a CSU de "jogo sujo". "A União deve fazer uma autoanálise com urgência para ver se vai continuar com isso", afirmou.

No entanto, as palavras do líder parlamentar dos conservadores, Thorsten Frei, não dão motivos para acreditar que isso possa acontecer.

À emissora pública ARD, Frei disse que ninguém quer intimidar ninguém, e que era "normal" observar para onde e para quem vão o dinheiro público e os cortes de impostos.