O Conselho Nacional dos Direitos Humanos recomendou à Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas-PA) que suspenda a licença que autorizou a mineradora canadense Belo Sun de instalar uma mina de ouro em Senador José Porfírio, no sudoeste do Pará, mesma região onde funciona a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu. O ofício com a recomendação foi enviado ao secretário estadual Luiz Fernandes Rocha na tarde de hoje (9). Por meio de sua assessoria, a secretaria informou que ainda não recebeu a notificação e que só após conhecer o teor do documento vai se manifestar a respeito.

A secretaria concedeu a Licença de Instalação do empreendimento no dia 2. Em nota, a Semas-PA explicou que decidiu autorizar o chamado Projeto Volta Grande após três anos de análises, vistorias, audiências públicas e a realização de diversos estudos, e mais de dois anos após o Conselho Estadual de Meio Ambiente (Coema) ter expedido a Licença Prévia.

Segundo a secretaria, a Licença de Instalação estabelece várias condicionantes que a empresa deverá cumprir antes da mina começar a operar, durante e até oito anos após o seu fechamento. A secretaria garante que todas as medidas serão permanentemente fiscalizadas pelo Centro Integrado de Monitoramento Ambiental do Pará e demais órgãos de controle.

Apesar disso, os membros do Conselho Nacional dos Direitos Humanos demonstram preocupação quanto à falta de informações prévias a respeito do empreendimento e às citadas condicionantes. No relatório parcial sobre a visita que conselheiros fizeram às comunidades da chamada região de Volta Grande do Xingu (área de influência tanto da Usina de Belo Monte, quanto da mina da Belo Sun), no começo de outubro de 2016, o conselho reproduz trecho de um artigo em que a procuradora da República Deborah Duprat diz que, no geral, “o que se vem observando, no Brasil, é que muitas das informações que deveriam constar do diagnóstico só são produzidas mais tardiamente, como as condicionantes das licenças de instalação e de operação”.

Falta transparência

Já enviado para o secretário estadual, o relatório parcial ajudou a subsidiar a decisão do Conselho de recomendar a suspensão da licença de instalação, aprovada durante a última reunião do órgão, ocorrida nos dias 2 e 3, em Brasília. Das visitas às comunidades já afetadas por Belo Monte e das manifestações de moradores da região que participaram da audiência pública feita em 11 de outubro, na Vila Ressaca, os conselheiros concluíram que falta transparência ao processo de implementação da mina de ouro.

Entre outras preocupações, os conselheiros apontaram que “além dos efeitos já perceptíveis por especialistas e atualmente relatados pela população da região como [tendo sido] causados pela Usina Hidroelétrica de Belo Monte, a instalação de uma mina de ouro na mesma área tem potencial para causar grandes impactos”, agravando os prejuízos ambientais e sociais.

Segundo os conselheiros, a concessão das licenças Prévias e de Instalação também fere a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece a obrigatoriedade de os povos indígenas e outras comunidades tradicionais (quilombolas, ribeirinhos, etc) serem previamente consultadas a respeito de empreendimentos com potencial de afetar seus modos de vida.

“A fala dos índios corrobora o já patenteado pelos ribeirinhos e moradores da Vila Ressaca: a mineradora Belo Sun, até o presente, não respeitou o direito à consulta prévia, de modo que permanecem questionamentos e incertezas sobre os impactos da obra na vida dos potencialmente atingidos, violação grave, que não pode perdurar”, dizem os conselheiros no relatório parcial.

Dúvidas

Os conselheiros sustentam que restam muitas dúvidas acerca da barragem de rejeitos da mineração; sobre os planos de reflorestamento e manejo ambiental da área diretamente atingida pela mina e seu entorno e citam que ainda não houve manifestação conclusiva por parte da Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre os impactos ambientais sobre terras indígenas, nem do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), quanto à cumulatividade de impactos e viabilidade socioambiental do projeto em relação a Belo Monte.

Os conselheiros também reportam ter colhido, na audiência pública, queixas de moradores em relação à suposta compra, pela Belo Sun, de terrenos na região e do início do “processo de deslocamento da população afetada” antes mesmo da concessão da Licença de Instalação.

Empregos e tributos

De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará, a mina da Belo Sun terá 12 anos de vida útil. A previsão é que o empreendimento gere 2.100 empregos diretos durante a fase de implantação e 526 na fase de operação. A expectativa é que o governo estadual arrecade mais de R$ 60 milhões apenas em royalties de mineração enquanto a mina estiver operando. Além disso, cerca de R$ 130 milhões serão pagos em impostos aos governos federal, estadual e municipal apenas durante o período de instalação da mina – após o início das operações, é possível que a arrecadação nas três esferas totalize R$ 55 milhões anuais.

A Semas-PA também destaca outros possíveis efeitos econômicos, como a possibilidade de instalação de uma refinaria de ouro na região, iniciativa com a qual a Belo Sun se comprometeu a participar desde que outras mineradoras demonstrem interesse. Além disso, a pasta garante que o projeto licenciado já inclui mudanças que reduzirão os impactos ambientais que haviam sido apontados durante a audiência pública que antecedeu a concessão da Licença Prévia, em 2014.

Entre as mudanças estão a eliminação da captação de água do Rio Xingu, a introdução de lagos para a contenção de água, o que permitirá a redução da área total do empreendimento, e novos parâmetros de monitoramento da qualidade do ar, ruídos, vibração, segurança no tráfego, gerenciamento de resíduos sólidos, erosão e efluentes líquidos.

A Semas-PA diz que também solicitou à empresa que elabore um estudo sobre as comunidades indígenas como forma de garantir a segurança. No entanto, a própria secretaria minimiza o potencial de risco, enfatizando que, por essas comunidades estarem concentradas além do raio de 10 quilômetros de distância do projeto, tal estudo não seria legalmente obrigatório.

Impactos

Procurada, a Belo Sun diz ter apresentado aos órgãos responsáveis estudos que levam em conta não apenas os impactos da instalação e operação da mina de Volta Grande, mas também os dos outros empreendimentos que já funcionam na região. A empresa se compromete a controlar, minimizar e mitigar os efeitos identificados.

A mineradora confirmou que, com o apoio de representantes da prefeitura de Senador José Porfírio e de uma comissão de moradores, cadastrou as famílias que vivem nas comunidades diretamente afetadas e que serão alvo do Programa de Realocação, Negociação e Inclusão Social, apresentado durante o processo de obtenção das licenças Prévia e de Instalação. Também serão incluídos no programa os garimpeiros, a quem a Belo Sun promete oferecer, além da realocação, emprego ou cursos de qualificação para os que queiram exercer outra atividade.

A Belo Sun garante manter o diálogo com as comunidades e que, desde o início, “considerou o potencial aumento da presença de atores institucionais, ausentes ou de pouca atuação no território, como secretarias de Estado e organizações sociais, que poderão apoiar o diálogo entre a empresa e a população sobre as alternativas de fomento ao desenvolvimento local”.

A empresa diz que, mesmo não sendo obrigada a realizar estudos sobre os eventuais impactos às comunidades indígenas, já que estas ficam mais de 10 quilômetros distantes do empreendimento, pediu à Fundação Nacional do Índio (Funai) autorização para realizar um estudo sobre os componentes indígenas. Posteriormente, a Semas-PA solicitou à empresa que elaborasse tal estudo para garantir a segurança das comunidades indígenas.

Em nota, a secretaria confirma que, legalmente, a mineradora não está obrigada a produzir o documento, dada a distância mínima das populações indígenas do empreendimento. Para o Conselho Nacional, no entanto, a licença deve ser suspensa até que o Estudo de Impacto Ambiental do Componente Indígena (EIA-CI) seja revisto conforme exigiu a Fundação Nacional do Índio (Funai) que, segundo o conselho, considerou o documento já apresentado insuficiente.