O microscópio nos dá a capacidade de enxergar estruturas que não poderiam ser vistas a olho nu, como o sistema bacteriano. Mas como analisar e manipular, porém, o funcionamento de um objeto menor ainda, com o tamanho de apenas alguns átomos? Realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o Inmetro, o nanoscópio permitirá que os cientistas vejam materiais um bilhão de vezes menores que um metro. Mais que isso: o equipamento vai melhorar os estudos gerais sobre o universo nano, uma área que representa um desafio para a pesquisa científica até o momento.

O projeto do nanoscópio mobilizou várias áreas dentro da universidade e levou quinze anos para ser finalizado. O invento rendeu aos brasileiros uma publicação de capa na prestigiada revista britânica “Nature”, o que lhes garantiu um patamar mundial de visibilidade. De forma bastante resumida, os pesquisadores anexaram uma estrutura de metal feita de ouro ao nanoscópio, tornando possível a visualização de materiais ínfimos, como o grafeno. “Modificamos o funcionamento do microscópio para transformá-lo em um nanoscópio”, explica Ado Jório, professor da Universidade Federal de Minas Gerais e líder do projeto. “Ele possibilita melhorar a visão humana e representa um ganho de resolução de mil vezes em relação ao equipamento convencional em laboratório.”

“O novo aparelho melhora em mil vezes a resolução de um microscópio” Ado Jório, professor da UFMG (Crédito:Eugenio Savio)

O poderoso grafeno

Segundo os cientistas, a possibilidade de manipulação do grafeno vai revolucionar o universo dos equipamentos eletrônicos. O material poderá ser utilizado na produção de computadores quânticos e na fabricação de smartphones dobráveis. Por ser um excelente condutor de eletricidade, o grafeno ainda deve melhorar o funcionamento de baterias, um dos maiores problemas enfrentados hoje pelo desenvolvimento tecnológico. Segundo Jório, graças ao novo nanoscópio, o grafeno poderá ser usado em inúmeros setores, da indústria da microeletrônica à fabricação de materiais de alta resistência. “Vamos poder trabalhar esses materiais em outra escala, um alcance molecular”, diz. Para o especialista, publicar o trabalho com destaque em uma publicação renomada como a Nature representa dar notoriedade à capacidade nacional de produzir produtos de alto valor tecnológico, percepção que vai muito além do comércio de commodities ao qual o Brasil é geralmente associado. “É um equipamento de alta complexidade e custo. Seu valor está estimado de 250 mil euros.”

O universo da nanotecnologia é muito diferente de tudo que a maioria das pessoas conhece. É difícil imaginar, por exemplo, o que significa analisar uma estrutura cem mil vezes menor que a espessura de um fio de cabelo. A nanotecnologia pode ter diversas aplicações: pode estar na fórmula de um cimento mais resistente, tornar um medicamento mais poderoso ou ajudar a criar um tecido mais difícil de amassar. Nesse contexto, o grafeno é uma das substâncias mais promissoras entre os nanomateriais devido às suas características únicas. É extramamente resistente – aproximadamente 200 vezes mais resistente que o aço – e surpreendentemente leve: três milhões de camadas de grafeno empilhadas não chegam a um milímetro de altura. É ainda transparente, elástico e flexível, qualidades que representam uma boa alternativa ao silício como semicondutor e também ao plástico, por causa de sua versatilidade. O uso do material é tão amplo que ele é capaz até de filtrar a água do mar, transformando-a em um líquido potável. O uso do nanoscópio vai permitir que o grafeno seja integrado aos processos industriais e ao dia a dia da sociedade. O primeiro protótipo comercial da invenção, financiado pela Codemge e Embrapii, Senai Cimatec e DCC/UFMG, estará pronto ainda em abril — um período de tempo quase tão pequeno como o universo que o nanoscópio contempla.