RESUMO

• Efeito destrutivo de catástrofes vem sendo repassado aos preços
• Pobreza no mundo todo deve aumentar
• Setor de seguros já retira do mercado produtos que não compensam mais operar
• Para analistas, empresas precisam reconhecer os riscos e se adiantar em relação à concorrência
• Aqui entra a tecnologia, que pode ajudar no planejamento e no barateamento de soluções

 

A s consequências trazidas por extremos climáticos parecem ser infindáveis e, pior ainda, imprevisíveis. Uma delas mostra que a vida vai ficar mais cara em todo planeta e, consequentemente, acentuar a probreza. É a inflação do clima. O aumento de instabilidades, incertezas e riscos vem sendo contabilizado e repassado aos preços, dos mais básicos, como os de alimentos, energia e água, aos mais expressivos, como o de uma apólice de cobertura de catástrofes.

Estudos de resseguradoras mostram que, em 2023, os fenômenos naturais causaram danos no mundo de mais de US$ 250 bilhões (R$ 1,23 trilhão), com um avanço de 9% em relação à média dos últimos dez anos. No Brasil, as perdas decorrentes do clima ficaram em US$ 555 milhões (R$ 2,7 bilhões), nos nove primeiros meses do mesmo ano.

É um cenário preocupante e os setores que não se anteciparem às mudanças trazidas pelo aquecimento global estão fadados a amargar prejuízos e até desaparecer. Ao mesmo tempo, a nova realidade abre oportunidades de negócios que terão a tecnologia como aliada.

O setor de seguro é um indicador de que os desastres climáticos são reais e estão provocando uma nova precificação na economia. Se há bem pouco tempo o seguro de um carro tinha como principal cobertura uma colisão, hoje é imprescindível prever sinistros com enchentes, queda de árvores e deslizamentos, entre outros, que levam a aumento de preços de uma apólice.

Onde o impacto climático está sendo mais drástico, os efeitos econômicos são maiores, destaca Mônica Kruglianskas, coordenadora de cursos em Sustentabilidade da FIA Bussiness School. “Nos Estados Unidos, os seguros ficaram até dez vezes mais caros porque as companhias não dão conta de cobrir e muitas quebraram”.

O custo de desastres como incêndios na Flórida, furacões e tornados em outras regiões do país foram responsáveis por US$ 400 bilhões nos últimos três anos, diz a coordenadora. As seguradoras precisam fazer resseguro, um seguro do seguro para conseguir bancar prejuízos. Sem a oferta pelo setor privado, o governo americano foi obrigado a entrar no setor, com ameaças às finanças públicas.

Conhece a inflação do clima? É bom tomar pé: a vida vai ficar mais cara
As catástrofes climáticas causam até mesmo custos maiores para seguros de carros e casas (Crédito:Takashi Aoyama)
Conhece a inflação do clima? É bom tomar pé: a vida vai ficar mais cara
(Mauro Pimentel)

“O seguro é uma rede de proteção social muito forte e positiva”, afirma Annelise Vendramini, coordenadora do programa de Finanças Sustentáveis da FGV. Segundo ela, como os seguros estão sumindo das prateleiras no mercado americano, tanto para residências e carros, como para os negócios comerciais, a situação é muito grave.

Se para as seguradoras o risco do clima é de tal ordem que não compensa mais operar, para as pessoas e pequenos negócios o seguro é essencial. “Se você é dono de um pequeno comércio em que investiu todos seus recursos e acontecer algum sinistro, você perde o dinheiro da sua vida.”. Mais ainda, os seguros exercem papel relevante, porque estão na base da economia, explica Annelise. “Não se constrói nenhuma grande obra de infraestrutura, se não tiver seguro, porque ninguém financia, nenhum banco. Sem seguro, todas as obras empacam.”

Para Fernando Grossi, diretor-executivo da Sompo Seguros, as empresas do setor já estão em fase de transição. “Aqui no Brasil não tínhamos sinistros dessa espécie, mas o universo de cobertura teve de ser ampliado”. E para neutralizar o aumento de custos, segundo ele, será necessário cada vez mais antecipar-se às catástrofes para proteger o cliente e evitar prejuízos.

O problema é que as pressões sobre os preços virão de todos os lados afetando diversos setores da economia. “A questão climática pode gerar perda de produtividade em várias culturas, pode gerar alterações na logística de armazenamento e atingir toda uma cadeia de suprimento de alimentos. É uma questão de segurança alimentar”, destaca a coordenadora da FGV.

• Pode ainda provocar migração de populações por seca e, no limite, a fome e desnutrição em áreas dependentes de agricultura familiar.
• Chuvas extremas alagam cidades e áreas produtivas também perdem as colheitas.
• Já a seca pode levar à falta de água e, por tabela, de geração de energia, quando as térmicas serão acionadas com um custo mais alto, além do que os sistemas de distribuição e transmissão de energia no Brasil não estão bem preparados, aponta Annelise.

“São todos canais de contágio da economia. Vai ficar tudo mais caro? Vai”, afirma ela, que completa: “Quanto mais a gente demorar para se adaptar à mudança do clima pior será. Já estamos atrasados nos esforços para reduzir as emissões de gases de efeito estufa”. São eles que provocam e aceleram o aquecimento do planeta resultando em reações extremas da natureza.

Aspectos sociais também são incluídos nessa contabilidade, sendo que alguns públicos serão mais atingidos do que outros. “Os países mais quentes e mais pobres serão os mais penalizados com enchentes, alagamentos, secas prolongadas, incêndios decorrentes das instabilidades climáticas”, afirma Mônica, da FIA. Para ela, esses eventos aumentam e perpetuam a desigualdade social, de gênero, e a pobreza no mundo.

Quem ganha e quem perde

Mariana Palandi, economista e analista da Tendências Consultoria, não aponta um setor ou outro que terá vantagens ou sairá prejudicado com as mudanças do clima. Ela diz que todas as empresas que conseguirem reconhecer o problema, os riscos gerados e se adiantar em relação à concorrência serão beneficiadas e poderão ter mais chance de sucesso.

“Vai depender de como as empresas vão fazer a gestão de riscos, além de implementar medidas eficazes para incluir a mudança climática aos fatores de decisões”. Entre essas empresas, a economista cita:
• as que tiverem a capacidade de desenvolver tecnologias que reduzam os efeitos dos episódios ambientais,
• as de geração de energia renovável – solar, eólica -, que encontrarem tecnologia para baratear seus custos.

Por razões óbvias, grandes oportunidades já estão surgindo e devem aumentar para as empresas que se especializarem em coletar dados, fazer previsões, análises e diagnósticos climáticos para apoiar empresas e governos em processos de tomada de decisão e adaptar às atividades atuais, diz Mônica da FIA.