No Brasil do Novo Mundo, restaurantes colecionam décadas, e até mais de século de existência. Com gerações de clientes assíduos e glamour, espaços fundados ainda no Segundo Reinado resistem às transformações das grandes cidades e às novidades gastronômicas.
O alemão Tip Top, aberto em 1929 em Belo Horizonte, segue ativo em novo espaço: o original foi demolido no último ano.
Em São Paulo, a Leiteria Ita serve seus famosos pratos feitos desde 1953 e a padaria mais antiga da cidade, a Santa Tereza, continua aberta desde 1872.
Na capital carioca, o Café Lamas data de 1874, enquanto a famosa Confeitaria Colombo mantém sua primeira unidade em funcionamento datada de 1894.

São espaços históricos em que acordos já se firmaram, relacionamentos começaram, outros terminaram, e muitas canções foram compostas — na mesa presente até hoje no bar Garota de Ipanema (à época, Veloso), no Rio de Janeiro, Tom Jobim e Vinicius de Moraes idealizaram a música de mesmo nome.

Conheça restaurantes históricos que servem tradição e cardápio de primeira
Pato com laranja do bistrô La Casserole que comemora 70 anos no centro de São Paulo (Crédito: Angelo Dal Bó)
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Tradição: a clássica vitrine de tortas da Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro, inaugurada em 1894 (Crédito:Wagner Meier)
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Joelho de porco com salada de repolho do Tip Top, em Belo Horizonte, datado de 1929 (Crédito:Divulgação )

“A proximidade do Theatro Municipal e da Cultura Artística estreitou a relação do bistrô francês com as artes. Por muito tempo, recebemos regentes e pessoas do mundo da música por aqui”, diz Marie-France Henry, sócia do La Casserole, no Largo do Arouche, na região central da capital paulista, que acaba de completar 70 anos.

O padrão no atendimento e no cardápio é outro ponto comum aos espaços históricos que convidam os clientes ao retorno. “Quando se cria uma memória afetiva sobre um prato, você fica responsável por correspondê-la sempre que a pessoa voltar à casa”, diz ela. O sucesso, nesse e em outros casos, deve-se à sucessão familiar. “Estou acostumado à operação desde pequeno, lembro de passar as manhãs de Natal escrevendo etiquetas nos pratos das ceias a domicílio”, diz o sócio Leo Henry, filho de Marie e representante da terceira geração do negócio.

Artistas, músicos, atores, diretores e políticos sempre estiveram entre os habitués de tais lugares e as histórias que os rondam — umas de glamour, outras nem tanto.

Após um almoço no Leite, português aberto em 1882 em Recife, é que o governador da Paraíba João Pessoa foi assassinado. Quatorze dias depois estourava a Revolução de 1930 e Getúlio Vargas assumia o poder, instaurando em 1937 a ditadura do Estado Novo.

“O centro da cidade de Recife não é mais aquele lugar poético de violinistas, compositores e repentistas, mas das pessoas andando apressadas. É como se o Leite fosse o locus amoenus, a paisagem ideal”, diz Zuleide Duarte, professora da UEPB e pesquisadora de Literatura Portuguesa e Africana.

No Leite estiveram nomes como Assis Chateaubriand, Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre e Juscelino Kubitschek. O presidente bossa nova e bom de mesa não só frequentou os restaurantes duradouros, como chegou a ser eternizado em alguns menus: o Filé à JK, por exemplo, se tornou patrimônio histórico e cultural da cidade paulista de Franca.

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Marco Zero gastronômico: à esquerda, fachada do Restaurante Leite, no Recife, fundado em 1882. Abaixo, tradicional Bacalhau à Manoel Leite, com azeite, cebola, alho, azeitonas, pimentão e batata (Crédito:Divulgação )
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Divulgação

Clássico, não datado

Nos restaurantes de longa data, há pratos executados desde a fundação, mas também outros que se tornaram clássicos à medida que novos acontecimentos se desenrolavam porta adentro. É o caso do drinque Rê Bordosa do Riviera, em São Paulo.

Fundado em 1949, foi em suas mesas que o cartunista Angeli criou a personagem de mesmo nome na década de 1980. As mudanças, ainda que sutis, acompanham a sobrevivência de tais espaços: na decoração, na arquitetura, na comunicação via redes sociais e até na coquetelaria, como é o caso da nova carta elaborada pela bartender Chula Barmaid para o La Casserole, inspirada nos anos 1950. “É como fazemos nas nossas casas, quando damos uma mão de tinta ou mudamos uma cortina sem desconfigurá-la”, diz Marie-France.