25/05/2020 - 16:33
Na manhã da última quinta-feira (21), o escritor, roteirista e dramaturgo Walcyr Carrasco, autor de novelas da TV Globo, fez um longo comentário nas mídias sociais sobre a saída de Regina Duarte do cargo de secretária especial de Cultura do governo Bolsonaro. Em determinado momento, ao longo do texto, Carrasco questiona: “Regina manchou uma carreira de sucesso, com papéis notáveis. Destruiu sua imagem. Para quê?”.
De fato, ao aceitar um cargo político sem o menor traquejo na vida pública, associando-se a um governo que constrange a classe artística, Regina Duarte comprometeu não apenas a sua carreira de 55 anos como atriz, mas também a própria biografia. “Ao se associarem a governantes, alguns artistas podem colocar em risco suas reputações, e, por tabela, comprometerem seus próprios legados. Independentemente da ideologia, apoiar estadistas ou postulantes significa compactuar com as suas medidas antes e após a chegada ao poder. Representa um endosso. E, em muitos casos, a expectativa é frustrada”, afirma Higor Gonçalves, jornalista especializado em gestão estratégica de imagem e marca pessoal (personal branding).
“Regina fez a campanha de Bolsonaro, apoiou desde o primeiro minuto, defendeu na última e desastrosa entrevista na TV. Para ser descartada”, pontuou ainda Walcyr Carrasco nas mídias sociais. “A História está repleta de exemplos de artistas que ‘mancharam’ suas biografias ao darem apoio a indivíduos que, ao longo do tempo, mostraram-se verdadeiros tiranos. Nomes como Nero, Stalin, Hitler e Muammar Kadafi, por exemplo, tiveram adeptos nas classes artísticas de suas épocas”, completa Higor Gonçalves.
A pedido de Istoé Gente, o especialista selecionou casos de artistas que comprometeram suas reputações ao se associarem a poderosos. Confira!
Leni Riefenstahl – Nome artístico de Helene Bertha Amalie Riefenstahl, uma cineasta alemã representante dos ideais da estética nazista. Preferida de Adolf Hitler e aclamada como uma das mais brilhantes cineastas e atrizes do século 20, suas obras mais famosas são os filmes de propaganda que realizou para o Partido Nazista alemão. Comparada a Greta Garbo na juventude, teve a biografia maculada como a cineasta do III Reich. Submetida ao ostracismo pela indústria cinematográfica após a Segunda Guerra Mundial, Leni Riefenstahl se tornou fotógrafa e mergulhadora.
Serguei Eisenstein – A era Jdanov submeteu a cultura da União Soviética ao poder de Josef Stalin. Escritores, músicos e artistas em geral deviam servir aos interesses do Partido Comunista, pois, caso contrário, seriam tachados de burgueses e não teriam espaço para divulgar as suas obras. No caso da sétima arte, o ditador exigia filmes com mensagens que contribuíssem para consolidar o comunismo na União Soviética. O cinema de Serguei Eisenstein acabou, inevitavelmente, servindo ao regime. Stalin admirava o talento e gostava do cineasta, porém o filme “Ivan, o Terrível” pôs os dois em lados opostos. Eisenstein acreditava que arte e política podiam andar juntas e construiu uma obra-prima acima de ideologias.
Artistas de Nero – Um déspota louco, cruel, que amava atuar e cantar em público, algo imperdoável para quem possuía o título de “princeps”, o Primeiro no Senado. Este foi Nero, o monstruoso imperador romano que manteve relações sexuais com a própria mãe (mandando matá-la), envenenou o meio-irmão, degolou a primeira esposa e chutou a segunda, ainda grávida, até a morte. Em 64 d.C., Nero começou a cantar em público visando aumentar a popularidade. Historiadores relatam que foram o Senado, o seu círculo de amigos e o povo que o animaram a se apresentar publicamente. Entre os mais próximos, vários artistas bajuladores que aplaudiam o insano imperador para contar com os seus favores.
Beyoncé – Segundo uma reportagem do The New York Times, o ex-ditador da Líbia Muammar Kadafi e seus filhos não pouparam dinheiro para contratar shows particulares de grandes ídolos da música pop mundial. Dentre os nomes citados pela matéria está o da cantora Beyoncé, que apresentou cinco canções do próprio repertório em uma festa de réveillon privada, em 2009, organizada por Muatassim Kadafi, um dos filhos de Muammar. O show particular aconteceu na ilha caribenha de São Bartolomeu. Segundo a revista Rolling Stone, a assessoria de imprensa de Beyoncé informou que a cantora, após saber que o evento em que se apresentou estava vinculado à família Kadafi, doou o “modesto” cachê de um milhão de dólares às vítimas dos terremotos no Haiti. Beyoncé foi duramente criticada na época.