Uma polêmica que se arrasta desde a proclamação da República, a reeleição voltou com força à pauta política depois que o senador Marcelo Castro (MDB), relator do novo Código Eleitoral na Comissão de Constituição e Justiça, decidiu apresentar três PECs para acabar com o instituto. Embora bolsonaristas tenham se empolgado achando que pudessem impedir o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de disputar um quarto mandato, nenhuma das propostas prevê a mudança para 2026.

O presidente, que em 2022 sinalizou, sem muita convicção, que não concorreria em 2026, pelas propostas estará livre para tentar a reeleição. Castro garantiu que tanto o novo código quanto as PECs têm a finalidade de simplificar sem prejudicar as regras do jogo. “Não mexeremos em direitos adquiridos nem em expectativas de direito, mas o sentimento majoritário no Senado é que a reeleição não é benéfica ao País.”

Lula já se colocou contra o fim da reeleição, conforme deixou claro em encontro na noite da quarta-feira, 6, quando recepcionou a cúpula do Senado no Palácio do Alvorada.

Mas sua opinião não demoveu senadores a favor da mudança.

No encontro com lideranças dos partidos no Senado, o relator diz ter sentido que há consenso sobre a proibição de reeleição com mandato de cinco anos e a instituição de eleições gerais depois que se encerrarem os períodos de governo estabelecidos nas eleições deste ano e de 2026.

• Ele propõe um mandato tampão de dois anos para prefeitos e vereadores em 2028 para que a reeleição já não seja permitida mais a partir de 2035.

• O ponto fora da curva favoreceria os senadores que, em vez de disputarem um mandado de oito anos, atualmente dividido em duas legislaturas, ficariam eternamente com 10 anos, um jeitinho de legislar em causa própria.

•  As propostas do senador se adequariam à mudança feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para as eleições municipais deste ano.

Como o Congresso se omitiu em relação à ampla possibilidade de fraudes aberta com o uso de Fake News e, agora, as Deepfakes, o TSE impôs a perda de registro ou do mandato para quem tentar manipular o eleitor usando inteligência artificial para cabalar voto.

O relator do código na Câmara, deputado Rubens Pereira Júnior (PT), disse que a inciativa é boa e afirmou que políticos da extrema direita ligados ao grupo do ex-presidente Jair Bolsonaro já se organizam para se aproveitar maldosamente das novas tecnologias. “O bolsonarismo queria usar a inteligência artificial como bandeira. Com a resolução do TSE, quem mentir ou manipular perde o registro ou o mandato.”

Único consenso para as novas regras é acabar com a reeleição estabelecendo mandato de cinco anos e coincidência dos pleitos em 2035

O Senado quer definir as novas regras no primeiro semestre deste ano, mas as polêmicas em torno de temas como inelegibilidade, sobra de votos e, especialmente, desincompatibilização indicam que não será uma tarefa fácil.

• O código estabelece, por exemplo, uma quarentena de quatro anos para magistrados, policiais, bombeiros e militares estaduais e federais que decidirem concorrer a cargos eletivos. Como a regra foi definida na Câmara, basta o relator não mexer nela que estará aprovada.

• Na prática, ela é mais forte que a PEC proposta pelo líder do governo, Jaques Wagner (PT), que obriga os militares a entrarem para a reserva já no registro da candidatura e não mais quando assume o mandato.

• O rigor do código sobre militares tem como finalidade despolitizar as Forças Armadas ao mesmo tempo em que “despolicializa” o Congresso Nacional, onde a pauta de segurança se mistura à de costumes impondo, ao sabor dos sobressaltos da violência urbana, legislação cada vez mais punitivista em decorrência da força da bancada da bala.

• Só na Câmara são 44 os parlamentares originários diretamente da segurança, mas somando todos os que se dedicam ao tema como bandeira, chegam a 263, portanto, mais da metade da Casa.

Juízes, promotores, policiais ou militares que ganham fama pela atividade convertem a popularidade em votos e vão para o Congresso sem abrir mão da possibilidade de retornar aos postos.

Conheça os projetos para acabar com a reeleição e quem sai prejudicado por eles
O relator Marcelo Castro acha que há maioria para aprovar novo código (Crédito:Pedro França)

Castro sustenta que esse é um dos males da República. “As atividades que eles exercem como profissionais são incompatíveis com a política, não se misturam. Ninguém pode ser ao mesmo tempo as duas coisas. Quer ser político? Então que se afaste dos quartéis ou da magistratura e se submeta a quarentena. As duas coisas ao mesmo tempo não dão certo.”

A tese do relator encontra ressonância no momento pelo qual o País passa: a politização das Forças Armadas no governo Bolsonaro é uma das raízes da tentativa de golpe que terminou com o ataque aos prédios dos Poderes em 8 de janeiro do ano passado.

O problema é, no entanto, mais antigo: o ex-ditador Getúlio Vargas entrou para a política no início do século passado por sua atuação como promotor no Rio Grande do Sul. Foi catapultado para a polícia quando começou a arquivar denúncias motivadas por interesses dos governantes de plantão.

Depois vieram Felinto Muller, Romeu Tuma e tantos outros personagens que migram da polícia para a política, mexendo para cima na estrutura do Congresso sem, no entanto, alterar os altos índices de violência.

Com o surgimento de poderosas facções, é o crime que mais incide sobre a política, como nunca antes visto na história da República.

Já a reeleição, aprovada por puro casuísmo no meio do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, em 1996, nunca resultou num plano de segurança pública perene e longe dos interesses circunstanciais da política.