Um dos clubes mais tradicionais do interior do Rio de Janeiro, o Serrano Football Club, de Petrópolis, tem chamado a atenção de times de todo o País pelas suas categorias de base. A agremiação centenária, que se orgulha de ser a primeira a registrar o craque Garrincha, cedeu a gestão do futebol a um parceiro e, desde 2020, tem os treinos da base concentrados na Barra da Tijuca. Entre as centenas de garotos que buscam fazer sucesso no futebol, destacam-se filhos e netos de ídolos de algumas das principais torcidas do Brasil.

Há poucos dias, o clube anunciou ter firmado o primeiro contrato profissional de Adriano Carvalho, filho de Adriano Imperador, atacante que defendeu o Flamengo e a seleção brasileira, além da Inter de Milão. O garoto de 16 anos, que tem o nome, a fisionomia e o pé preferido idênticos ao pai, firmou contrato por quatro anos com o Serrano mesmo tendo propostas de equipes que atualmente têm mais visibilidade.

“Eu já conhecia o clube, muitos jogaram comigo em outras escolinhas. Já conhecia também o trabalho do pessoal da comissão técnica, da administração, da fisioterapia”, disse o menino. “A estrutura aqui é maravilhosa. Fora os grandes, acho que poucos clubes do Brasil oferecem isso. O Serrano tem todos os equipamentos que a gente precisa.”

De fato, o CT na Barra da Tijuca é moderno e com preocupação voltada à ciência do esporte. Todos os dias os atletas respondem a um questionário que inclui dados sobre horas de sono, nível de cansaço e outros. Avaliações físicas são frequentes, e tudo é incluído no histórico dos atletas.

A metodologia de treino também é um grande atrativo, e isso porque ela tem seu DNA vindo da Catalunha. Desde 2020, o futebol do Serrano é gerido pela Interfut, uma academia de futebol que oito anos antes se uniu ao Barcelona para trazer as escolinhas do time espanhol para o Brasil. As escolinhas ficavam na Barra da Tijuca, no Rio, e na Barra Funda, em São Paulo.

Para Kleber Leite Filho, o Klebinho, um dos responsáveis pela gestão da Interfut – e, agora, do futebol do Serrano -, a localização das escolinhas e a metodologia do Barcelona foram os primeiros responsáveis por atrair filhos de atletas aos seus gramados. No Rio, o CT do Serrano fica em um dos bairros preferidos dos boleiros. Em São Paulo, a escolinha ficava na mesma região dos CTs de Palmeiras e São Paulo.

O acordo com o Barcelona acabou em 2019. No ano seguinte, a Interfut firmou a parceria com o Serrano. Naquela altura, deixou de ser uma escolinha e passou a investir no futebol de base e até mesmo no profissional. O que não mudou foi o interesse dos boleiros e de ex-jogadores em ver seus filhos e netos treinando no clube. O fato de estar na Barra também ajuda muito.

“A lista é grande. Recém fizemos o contrato com o Adriano, filho do Adriano Imperador; os netos do Zico treinaram com a gente aqui também; o filho do Carli, do Botafogo; o filho do Beto, ex-jogador do Flamengo; do Zé Roberto… Se eu for falar todos, com certeza vou esquecer de algum”, enumera Klebinho.

Alguns dos pais e avôs famosos no futebol são vistos acompanhando os treinos dos garotos. Adriano, o filho, diz que costuma enviar vídeos das partidas por competições de base para o pai, o Imperador. “Se ele vê que eu erro uma finalização, fica p*** da vida. Aí ele fala, ‘você tem de fazer assim, assim e assado’, e aí vou lá e faço do jeito que ele quer”, conta. “Ele é meu pai e um grande ídolo. Me traz muito orgulho e inspiração.”

O SONHO DA SAF

Fundado em 1915, o Serrano Football Club, de Petrópolis, na região serrana do Rio, começa a viver uma nova era. O clube que tem aquela que seria a primeira ficha profissional de Garrincha e que se orgulha de ter barrado o tetracampeonato estadual do Flamengo de Zico em 1980, cedeu a gestão do futebol, está recuperando seu patrimônio e deverá em breve se tornar uma SAF.

Inaugurado em 1951, o estádio Atílio Marotti é a joia da coroa de um patrimônio que inclui ainda ginásio, quadra de futebol society e piscinas, mas por muito pouco não saiu do poder do clube. Acossado por dívidas que se arrastavam por décadas, o estádio foi penhorado e chegou a ser leiloado em 2013 por cerca de R$ 3 milhões. O susto durou uma semana e foi revertido, mas foi o alerta que faltava ao clube para salvar o futebol.

“O clube tinha algo entre R$ 5 milhões e R$ 6 milhões em dívidas. Em 2013, houve um leilão e o Serrano acabou perdendo o estádio, mas conseguimos reverter. Fizemos uma reavaliação dele que, à época, apontou que valia R$ 25 milhões. A juíza, ainda em primeira instância, viu que era um prejuízo muito grande para o clube. Revertemos, mas vimos que não haveria outro jeito (de assegurar o estádio) a não ser pagar as dívidas”, recorda Alexandre Beck, o China, presidente do Serrano.

O Serrano, então, lançou o projeto de um empreendimento imobiliário para arrecadar fundos. O time se licenciou um ano dos campeonatos, mas a parte social seguiu funcionando. O problema é que toda a arrecadação com o arrendamento da quadra de society, além de 30% do que era conseguido com mensalidades de sócios e até mesmo do faturamento da cantina eram penhorados. Manter um time profissional e cuidar do estádio, então, era quase uma utopia.

“Precisávamos de um parceiro, e aí apareceu o Interfut. Eles foram até hoje cumpridores de tudo o que foi acordado em contrato e têm se mostrado um parceiro confiável. A gente pretende continuar essa parceria por um bom tempo”, afirma China.

O acordo está no terceiro ano de um contrato inicialmente previsto para durar dez, podendo ser prorrogado por igual período. “É gestão de futebol. O que temos hoje com o Serrano é pré-SAF. A gente faz a gestão do estádio. Eles não tinham um centro de treinamento, então a gente faz aqui (na Barra da Tijuca)”, conta Kleber Leite Filho, um dos gestores da Interfut e executivo responsável pelo futebol do Serrano. Klebinho é filho do ex-presidente do Flamengo Kleber Leite.

As melhorias no estádio já são visíveis, ainda mais considerando se tratar de uma construção com 72 anos de vida e que estava quase abandonada. “Trocamos a grama, agora é Greenleaf, que faz os gramados de alguns dos principais estádios do Brasil. Estamos fazendo melhorias, já reformamos a parte elétrica, vestiários, melhoramos as arquibancadas, estamos tratando também de cuidar da iluminação para fazer jogos à noite”, explica Klebinho.

Praticamente todos os seis mil lugares do estádio foram equipados com cadeiras oriundas do Maracanã – aquelas que foram retiradas do principal estádio do Rio na reforma feita visando os Jogos Pan-Americanos de 2007. Os assentos estavam no Atílio Marotti há muitos anos, mas antes de ceder a gestão do futebol à Interfut, apenas 10% deles haviam sido instalados.

O caminho natural, que tanto China quanto Klebinho admitem, é transformar o Serrano numa SAF. “Ela traz vantagens por causa da legislação, tributações. O modelo é mais funcional. É uma coisa que está sendo ainda avaliada, estudada, mas estamos nesse processo”, afirma Kleber Leite Filho. “A SAF vem pra trazer investimento no futebol mesmo, mas é claro que tem que passar por conselho, há todo um trâmite ainda”, complementa Alexandre Beck.

Com ou sem essa mudança, o objetivo dos dois é ver o Serrano de volta à primeira divisão do carioca. Klebinho também planeja levar o clube à Série D e, posteriormente, à C do Campeonato Brasileiro. A avaliação é que essa é a melhor maneira de fazer a parceria gerar lucro para as duas partes para além da venda de direitos de jogadores. “Por ora, é só investimento”, admite Klebinho.

GARRINCHA

O Serrano foi o primeiro clube a registrar o craque Garrincha – ao menos, até onde se sabe. Há alguns anos, enquanto organizava o depósito e a sala de troféus que fica no ginásio, um dos dirigentes do clube encontrou uma ficha emoldurada. “Ele olhou pra mim e falou: ‘deve ser de alguém importante, porque fizeram um quadrinho’. Quando olhei o nome e a foto, vi que era o Garrincha!”, recorda Alexandre Beck.

A ficha é datada de 17 de abril de 1951, época em que Garrincha tinha 17 anos. Ela servia para confirmar que o jogador estava inscrito pelo Serrano para disputar o campeonato local.

Ter tido Garrincha como um dos nomes a vestir sua camisa é, sem dúvida, um dos maiores orgulhos do Serrano. Outro foi o fato de o time ter conseguido barrar o tetracampeonato estadual do Flamengo de Zico em 1980. A equipe rubro-negra foi a Petrópolis naquele ano e precisava de um simples empate para garantir o título. Chovia muito naquele dia.

“O campo estava alagado e o nosso presidente propôs não fazer o jogo. O Márcio Braga (presidente do Flamengo à época) olhou pra ele e falou ‘não, vamos jogar, vai ser uma goleada histórica’. Eles perderam o jogo e o título. Aí derrubaram tudo, a torcida saiu quebrando a cidade toda”, lembra Gilberto Cardoso, 66 anos, considera um dos torcedores mais fervorosos do Serrano. “Tinha 20 mil pessoas. Foi o maior jogo da história do Serrano. Tinha gente empoleirada até nas torres dos refletores, eu assisti do morro.”