A educação sexual ainda pode ser um tabu para muitas mulheres pelo mundo, principalmente para as que estão sob regimes conservadores. No entanto, a doula e educadora sexual egípcia Nour Emam, de 29 anos, vem se dedicando a erradicar a desinformação acerca do assunto para mulheres que vivem em países árabes. As informações são do “The New York Times”. 

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Atualmente, o ensino sexual é mínimo ou inexistente em grande parte do Oriente Médio, e esse fato é somado à cultura patriarcal que faz com que muitas mulheres árabes não conheçam seus próprios corpos e/ou tenham vergonha deles. Frente a isso, Nour Emam e outras ativistas estão usando a internet para contornar tabus e a censura do governo, construindo plataformas online que destroem mitos, acabam com a desinformação e educam mulheres árabes sobre seus corpos — mudando a vida de muitas. 

Nour conta que, quando iniciou sua jornada educando mulheres árabes sobre seus corpos, um de seus primeiros desafios foi descobrir como se pronunciava a palavra “clitóris” em árabe. “Ninguém usa [essa palavra], então não há onde encontrar a maneira certa de dizê-la”, ela conta. Conhecida na internet como “Mother Being” (algo como “ser mãe”), a ativista de Cairo, no Egito, publica vídeos em suas redes sociais tratando de assuntos “íntimos” de maneira descontraída. 

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Para ela, falar abertamente sobre a sexualidade das mulheres é necessário para quebrar o que ela descreve como “um ciclo de trauma intergeracional que levou muitas mulheres árabes a sentirem que suas existências são erradas, vergonhosas e pecaminosas”. Antes de embarcar no ativismo, Nour era DJ. Ela resolveu se tornar doula após dar à luz e desenvolver depressão pós-parto. Apesar de viver na capital do Egito, 25% de seus seguidores nas redes sociais vêm de países como Arábia Saudita, Iraque, Emirados Árabes Unidos, Jordânia e Marrocos. 

Segundo uma pesquisa de 2018 do Instituto Guttmacher, cerca de 40% das gestações nos países árabes são indesejadas, e a taxa de gravidez entre adolescentes é maior que a média na região. Além disso, a mutilação genital feminina é prevalente em vários países. Frente a isso, plataformas online entram em cena para promover educação e o ponto de vista feminino em um segmento no qual o patriarcado, a doutrina religiosa conservadora e, mais recentemente, a pornografia ditaram as regras. Dentre os principais mitos que se buscam destruir está a crença de que mulheres têm a obrigação de ceder aos desejos sexuais de seus maridos ou serão “amaldiçoadas pelos anjos”, como diz o ditado atribuído ao Profeta Muhammad. 

Entre outros produtores de conteúdos sexuais educativos para mulheres árabes está o website Mauj, dirigido por mulheres em diversos países. O website conta com uma série de vídeos convidando mulheres a compartilhar anonimamente suas experiências com questões como sexo, vergonha de seus corpos e assédio sexual. A plataforma ainda comercializa vibradores — produtos proibidos em alguns países do Oriente Médio por “contrariarem a fé islâmica e a moral pública”. 

Além disso, há o “Sex Talk in Arabic”, projeto conhecido por seus gráficos de saúde sexual e conteúdo LGBTQ+, e os perfis de profissionais como a sexóloga Sandrine Atallah e a ginecologista Deemah Salem, que criam conteúdos comprometidos a desmascarar mitos e estereótipos sobre sexualidade. A pesquisadora Nancy Ali, especializada no estudo de gênero e memória no Oriente Médio e no Norte da África, declara: “Nossa cultura e nossa linguagem em relação ao sexo são extremamente eufemísticas, então a ideia de discutir as partes sexuais do corpo de forma direta é nova para nós, e ainda mais pelo fato de que mulheres estão fazendo isso”. 

Deemah Salem conta que, no Oriente Médio, é comum acreditar que mulheres não precisam consultar-se com um ginecologista antes de se casarem. “Muitas passam anos sem visitar um — se o visitam — por medo de que fazer um exame pélvico possa levar à perda da virgindade”, relata. Através do Instagram, a médica responde perguntas e aconselha adolescentes e adultas. 

No entanto, as ativistas enfrentam represália de homens conservadores. “Eu jamais deixaria minha irmã ou minha filha verem coisas assim enquanto ainda forem virgens, antes de se casar”, declarou o engenheiro egípcio Ahmed Osama, de 25 anos, nos comentários de um post sobre masturbação. “Por que ensinar coisas assim ao invés de como ser uma boa dona de casa ou como suportar, tolerar e amar? O que aconteceu com a modéstia e a religião?”, pergunta. Já a representante de suporte ao cliente Norhan Osama, de 24 anos, disse apreciar a necessidade de educação, mas teme que essas plataformas eliminem “a vergonha e o constrangimento” de fazer algo “errado”. “Se você não for firme em suas crenças, pode sair pensando que está tudo bem fazer sexo quando não se é casada. É pecaminoso”, explicou. 

Apesar da repercussão negativa, ensinamentos como os de Nour Emam já ajudaram centenas de mulheres como a economista Sarah el-Setouhy, de 30 anos. Em uma aula online com a doula, Sarah mencionou sofrer com seus ciclos menstruais, mas disse ter sido ensinada a conviver com isso, e que a dor diminuiria quando ela se casasse e tivesse filhos. Nour desmascarou o mito e encorajou-a a procurar um médico. “Ela dá a você a confiança para entender seu corpo”, relatou a economista. Sobre a transformação que está levando à sociedade, Nour declara: “Acho que as mulheres começaram a acordar. E nós amplificamos as vozes umas das outras”.


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