Maju de Araújo continua rompendo barreiras no mundo da moda. A jovem, de apenas 20 anos, realizou um feito em janeiro deste ano e se tornou a primeira brasileira com síndrome de Down a desfilar na semana de moda de Milão. Além de estar cada vez mais conhecida na moda, a carioca também está se tornando uma figura reconhecida nas redes sociais, onde acumula mais de 650 mil seguidores.
Em conversa com a IstoÉ Gente, Maju falou sobre o seus sonhos, sua carreira e sobre o seu novo papel como embaixadora da ONG Nosso Olhar, onde está promovendo a campanha do “Dia de Doar”.
Confira abaixo
IstoÉ Gente: Como surgiu o desejo de ser modelo? Era um sonho seu de criança?
Maju: Desde criança eu já sonhava em ser modelo. Sempre gostei de me arrumar, escolher looks e tirar fotos. Eu pegava as maquiagens e roupas das bonecas das minhas irmãs, gostava de desenhar meus looks e em todo lugar que eu ia, precisava entrar desfilando.
Mas foi no ano de 2018 que as coisas mudaram. Eu fui diagnosticada com meningite bacteriana e acabei ficando em coma. No meio dele, eu acordei uma vez para conversar com a minha mãe e dizer a ela que meu sonho era ser modelo e que eu iria sair dali. Essa promessa se cumpriu e após algumas semanas eu acordei, consegui me recuperar e logo após minha alta eu comecei a estudar e investir nessa carreira. Em 2019 me formei e estreei na minha primeira semana de moda, a Brasil Eco Fashion Week.
IstoÉ Gente: Você foi a primeira modelo brasileira com síndrome de Down a desfilar em grandes passarelas no Brasil e no mundo. Como você vê a sua trajetória profissional até aqui?
Maju: Eu já alcancei muitas coisas que sempre sonhei que são muito marcantes para minha carreira, como ter sido a primeira brasileira com Síndrome de Down a desfilar em passarelas famosas como a Brasil Eco Fashion Week, Milão Fashion Week e São Paulo Fashion Week. Tive ainda a oportunidade de ser capa da Forbes Under 30. Então eu vejo minha carreira até o momento como a realização de um sonho e eu não teria conseguido seguir se não tivesse o apoio da minha família.. Não foi uma caminhada fácil, o mundo ainda tem resistência ao que é diferente e ser a pioneira em muitos desses espaços na moda me faz pensar que nosso trabalho vem abrindo portas pra muitas outras pessoas! Não é só sobre mim mas sobre outras pessoas que querem, podem e vão ocupar esses espaços com potencial, esforço e talento!
IstoÉ Gente: Você acredita que o mundo da moda está mais inclusivo?
Maju: Pelo fato de eu me encontrar fora dos padrões das passarelas, que são as modelos mais altas e muito magras, acabo que encontro problemas na adaptação de roupas. Muitas vezes os sapatos são muito grandes, as roupas precisam ser ajustadas na hora e ao entrar na passarela não fica legal. As vezes isso gera um certo constrangimento, pois atrapalha na performance.
Essas são ainda algumas dificuldades que a gente encontra, fora a questão de adaptação de linguagem e de comunicação, que às vezes se perde e falta um pouco de cuidado. Mas de maneira geral, eu sinto que estamos caminhando para uma indústria mais inclusiva e de representatividade, pois o fato de eu estar estampando marcas importantes, isso mostra que nós podemos, pois eu sou uma pessoa real e eu sinto que posso ocupar esse espaço.
IstoÉ Gente: Quais são as passarelas pelo mundo que você ainda quer desfilar? Quais sonhos ainda estão na sua lista profissional?
Maju: Gosto de acreditar que o céu é o limite! Mas tenho o sonho de desfilar nas principais semanas de moda, como a de Nova York e Paris. Além disso, quantos aos meus sonhos, quero ter a minha própria marca, ser estrela de marcas como Gucci e Prada, quero conquistar cada vez mais a carreira internacional. Poder alcançar esses espaços significaria muito pra mim!
IstoÉ Gente: Maju, você virou um fenômeno na internet nos últimos anos e, como sabemos, as redes sociais podem acabar virando um local onde pessoas famosas recebem muito ‘hate’. Você já passou por isso? Como você lida com as críticas e também com os fãs?
Maju: Eu recebo bastante, mas acho que isso diminuiu um pouco atualmente pois a gente acaba se posicionando e expondo da maneira correta quando recebo algum hate ou ataque. Na parte emocional é um pouco mais difícil porque foram anos sofrendo com isso, antes mesmo da fama eu já sofria com esse tipo de ataque.
Só que hoje em dia eu uso meu espaço e minha voz para comunicar as pessoas que isso além de ser errado, é crime. Então eu vejo da forma mais prática possível porque se eu ficar só triste e reclamando, não vai resolver o problema. E quando uma pessoa assume que ela pode falar, que pode atacar alguém na internet isso diz muito mais sobre uma questão dela com ela mesmo, e também que ela sente liberdade, não tem medo ou vergonha do que faz. Então eu quero que a pessoa sinta e que seja responsabilizada de alguma forma, para que ela entenda o que está fazendo.
IstoÉ Gente: Nesse mês de novembro você está trabalhando como embaixadora para o movimento global “Mês de Doar”. Como você se uniu a esse projeto?
Desde criança sempre tive o desejo de ajudar pessoas, de aproveitar as minhas oportunidades e multiplicá-las. Durante muito tempo tivemos muitos problemas financeiros mas ainda assim reconheço que tive muitos privilégios e oportunidades em comparação com outras pessoas. Além disso, vejo que a deficiência traz um outro tipo de dificuldade em relação às oportunidades na nossa sociedade. Conheci a dona da ONG e o match foi instantâneo. Vi ali a oportunidade de usar minha voz, meu espaço de crescimento e minhas portas abertas como oportunidade de ajudar e contribuir pra que outras pessoas realizem seus sonhos! Me tornei embaixadora da ONG e levo essa ocupação muito a sério, então todas as oportunidades que tivermos de unir forças aproveitaremos!
IstoÉ Gente: Como você se sente ao ter se tornado uma representante das pessoas com síndrome de Down? Você acredita que as pessoas com deficiência estão sendo mais aceitas pela sociedade? Como nós, como sociedade, podemos ser mais inclusivos com as pessoas com deficiência?
Maju: Para mim é muito importante, além de ser uma grande responsabilidade assumir esse lugar, sinto que posso ser inspiração para quem me acompanha, principalmente por sempre saber que esse também era meu espaço e eu poderia ocupá-lo. Hoje eu mostro isso para as pessoas, mostro que sou uma pessoa real, que tenho sim minha deficiência, mas isso não me impede de alcançar os lugares antes pouco ocupados por nós. Então saber que me tornei uma representante para quem também possui deficiência, é muito importante e me sinto honrada, pois eu quero sempre mostrar que se eu consegui, elas também conseguem, podem realizar sonhos e ir atrás daquilo que desejam.
Às vezes eu recebo mensagens das pessoas, além de mães e outros familiares que me seguem e gostam do meu trabalho, o que faz eu me sentir mais honrada ainda de poder estar na posição que me encontro hoje, mostrando caminhos, oportunidades e possibilidade para PCDs e outras pessoas.
A sociedade como um todo já está caminhando para um maior acolhimento e inclusão de pessoas que possuem deficiência. No entanto, ainda há coisas a serem melhoradas, e isso pode ser feito com a conscientização da população e mais políticas públicas de inclusão e acessibilidade, gerando mais empregos e oportunidades. Não gosto de usar o termo aceitação porque não nos é reservado o direito e poder de aceitar ou não as pessoas por elas serem diferentes. É nosso dever acolher, respeitar e proporcionar as mesmas oportunidades que são proporcionadas a outras pessoas!
IstoÉ Gente: Como você vê o trabalho de políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência?
Maju: O Brasil é um país que já possui algumas políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência. O que falta é a disseminação da informação e aplicação dessas leis para que mais pessoas saibam dos seus direitos e possam ir atrás deles. Além disso as pessoas sem deficiência também precisam ter acesso a essa conscientização não só através de leis, para que reconheçam a importância da inclusão e acessibilidade para todos, seja no ambiente de trabalho, escolar ou social. Infelizmente, os direitos de PCDs hoje são mais assegurados por conta das cotas e multas que são impostas quando um espaço não respeita uma dessas leis. Você não vê a inclusão como um processo natural, como deveria ser e a demanda por leis acaba sendo muito grande. Algumas pessoas só respeitam quando pesa no bolso, então além da existência de políticas públicas precisamos também da fiscalização de leis e devido cumprimento delas. Queremos educar da melhor forma possível, mas em alguns casos infelizmente só funciona assim!
IstoÉ Gente: Qual recado você manda para meninas e meninos com deficiência que querem seguir nesse mundo da moda?
Maju: Vá atrás dos seus sonhos e seja você mesmo, não deixe que a opinião das pessoas te imponha limites e faça com que se sinta menos do que as outras pessoas. Nós podemos ocupar os espaços que queremos, basta acreditarmos em nós e em nosso potencial! Fale dos seus sonhos em voz alta, as pessoas precisam te ouvir e reconhecer que você tem sua personalidade e que você pode escrever sua própria história. Seu sonho é possível, não importa o que digam a você. Descubra seu potencial e invista firme nele, mais do que acreditar precisamos agir porque sonho é mais ação do que ideia!