Quem acredita que arte é só pintura está redondamente enganado. Existem várias formas de manifestação, como já mostrei em várias colunas que produzi para a ISTOÉ, mas poucos conhecem a arte que relata a história do Brasil e do mundo por meio de mapas.

Os mapas originalmente registravam rotas e descreviam novos territórios, principalmente na época do Descobrimento. No início, a cartografia não existia como profissão e as imagens eram reproduzidas por artistas com uma precisão incrível. Admirar um desses mapas é como viajar pelo tempo e abrir uma janela para conhecer melhor o Brasil e tantos outros países.

Ao longo dos séculos, os mapas tornaram-se objetos de arte e, também, peças fundamentais para a localização náutica e terrestre. Antes da invenção da impressão, cada curva da costa brasileira, por exemplo, precisava ser muito bem observada para poder ser registrada na sua proporção correta, ou pelo menos aproximada. Mesmo após a revolução de Gutenberg, a cartografia continua sendo uma arte devido ao seu grande desafio: representar uma superfície esférica em um plano bidimensional.

Os mapas são o melhor exemplo de como unir ciência e arte. Na Babilônia, os artistas começaram a melhorar suas habilidades de registro para reproduzir caminhos, terrenos e indicar locais. Na Grécia antiga ocorreu o primeiro desenvolvimento real da cartografia, tendo Anaximandro, um conhecido filósofo, como primeiro artista-cartógrafo. Na Alexandria, Cláudio Ptolomeu deu um importante impulso positivo para registro de imagens do local. Depois, a cultura cristã influenciou profundamente esse assunto, convocando seus artistas para criarem mapas com Jerusalém no centro dos desenhos.

Na Igreja de São Jorge na Palestina, fica um dos mapas sobreviventes mais antigos. Curioso que ele não é de papel. O ‘Mapa da Madaba’ é um mosaico criado pedacinho por pedacinho no século VI para mostrar o Oriente Médio durante o período bizantino. Depois, a Ásia ganhou destaque, seguida pela Europa, tendo o rio Nilo (uma linha vertical) e o Mar Mediterrâneo (um traço horizontal) dividindo territórios. Com a chegada do século dos navegadores, os artistas passaram a ser ocupantes frequentes das caravelas, pois, final, não existe descoberta sem a arte do registro completo.

Aproveitando esse gancho, recomendo a exposição lindíssima: “Brasil no [Centro do] Mapa” que estará até 30 de junho no Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (CCBB RJ), com uma série de desenhos de cartografia, como o primeiro mapa do litoral brasileiro, chamado na época de Vera Cruz.

A exposição comemora os duzentos anos de independência e os trinta anos da realização da Rio-92, que foi a primeira reunião global que somou governo e sociedade diante do desafio ambiental. Apresenta 22 mapas, desde o século XVI até hoje, incluindo o Brasil no centro do mapa do mundo.  A mostra traz ainda quatro mapas temáticos: emissão de CO2 por habitante, lixo plástico, unidades de conservação e energias renováveis.

Há também a “Cartografia”, segmento da mostra que apresenta um vídeo inédito e três obras de uma série de cartografia (duas gravuras e uma caixa objeto) produzidas pela artista de Anna Bella Geiger.  Influenciada pelo seu casamento com o renomado geógrafo brasileiro Pedro Geiger, ela desenvolveu um trabalho único com mapas que a ajudou a ser conhecida no mundo todo.

Para o curador da exposição, Paulo Manoel Protásio, a questão ambiental traz a dimensão da interdependência e um olhar para além das fronteiras. “É preciso evidenciar que somos parte de uma relação que não é somente Atlântica. O mundo velho nos olha como mundo novo. Chegou a nossa vez”, diz.

Um dos tesouros da exposição é o Mapa de Ebstorf, o maior mapa do período medieval e que tem o Oriente no topo, com diversas cenas bíblicas. A mostra também traz como destaque o Mapa Genovês que, com a forma de Arca de Noé, marca o fim do período medieval e entrada na Renascença. É um dos primeiros registros que aponta a possibilidade de se chegar às Índias pelo contorno da África. O Mapa de Johannes Scnitzer, um exemplar da redescoberta do livro Geographia de Ptolomeu (diretor da Biblioteca de Alexandria no século 2 d.C.), é outra preciosidade da exposição. O primeiro mapa do continente americano também está no Planisfério de Juan de la Cosa. O litoral brasileiro está em um desenho de 1502, o Mapa de Alberto Cantino. O Mapa de Jerônimo Marini, de 1511, também está na mostra como o primeiro a trazer o nome “Brasil” e a imagem da costa brasileira, entre outras raridades.

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