Esta coluna é uma homenagem a Heitor dos Prazeres, grande pintor que nasceu no Rio de Janeiro em 1898, apenas uma década após a abolição da escravatura. Viveu em um período de grandes definições para a cultura brasileira e registrou com pincel de ouro seu nome na história da arte do Brasil.

Foi o primeiro filho homem de um marceneiro e uma clarinetista que tocava na banda da Guarda Nacional e aceitava encomendas de costuras. A família era simples e trabalhava unida para conservar um nível social minimamente decente e evitar perseguições raciais e sociais que infelizmente eram comuns no Rio de Janeiro da época. Superação era o tema das histórias de sua infância, contadas por sua mãe em detalhes, sempre mencionando a jornada dos antepassados que chegaram como escravos vindos da África.

Com a ajuda de vários parentes, ganhou o primeiro cavaquinho e conseguiu se matricular em uma escola profissionalizante para cursar o primário e aprender a profissão de marceneiro. Mas, foi muito além disso. Heitor se virava nos trinta, como se diz popularmente. Seu corpo negro e franzino ficava agitado diante de tantas atividades que exercia: jornaleiro, engraxate, ajudante de marceneiro, lustrador de móveis, capoeirista, músico, entre outras facetas.

Por influência de um tio, participava de muitas reuniões e rodas de samba da época, movimentando a Praça Onze e os cafés da Lapa. Sua irreverência também chamava atenção nos carnavais por gostar de sair fantasiado de baiana e por curtir realmente um bom samba. Foi um dos fundadores da Portela e fazia, quase que diariamente, apresentações em emissoras de rádio com seu cavaquinho. Compôs junto com importantes nomes –como Noel Rosa– e sua música ”Mulher de Malandro” foi interpretada por Francisco Alves. Sua discografia é imensa e deliciosa de se ouvir.

 

Confira 7 facetas de Heitor dos Prazeres:

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1 – Começou a pintar depois que a esposa faleceu

Eu e Heitor temos muito em comum. Começamos a pintar de uma forma intensa após ficarmos viúvos. Com a morte de sua esposa em 1936, a pintura passou a fazer parte de sua vida. Seus amigos o incentivaram a ter novos hábitos e ele mergulhou no mundo da pintura, mantendo em paralelo a já consolidada carreira de sambista. Resgatou uma grande alegria dos tempos de criança, quando se divertia colorindo – e não lendo – a cartilha escolar. Dizia que as gravuras o seduziam. ”Não consegui aprender a ler e escrever até hoje porque só me interessava em desenhar e colorir”.

 

2 – Exposições na Europa

Motivado pelo amigo, jornalista e crítico de arte Carlos Cavalcante, participou em 1951 da primeira Bienal de Arte Moderna em São Paulo ao lado de artistas brasileiros e internacionais. Já na largada, recebeu prêmio por sua obra “Moenda”. A partir daí, foram 6 exposições individuais, 19 coletivas e 40 exposições póstumas, inclusive em Lisboa, Roma, Paris e Londres.

 

3 – O cotidiano como fonte de inspiração

Sua obra é repleta de cenas cotidianas, pintadas a partir de suas experiências. Ele se autorretrata em várias de suas obras, como em ”O poeta e a Musa”, ou em ”Pierrô e Foliões, unindo os universos que amava (música, carnaval e pintura). Retrata as comunidades, as crianças, o bilhar, os bares, o universo familiar e as festas populares para retratar as relações e as transformações daqueles tempos.

 

4 – Traço sofisticado e cheio de gingado

Seu traço parece simples, mas faz uma representação completa do corpo, sempre repleto de gestos que remetem para um imaginário de som e dança. Toda essa visualidade destaca a experiência do corpo e o seu movimento a partir de uma técnica refinada, que expressa um zigue-zague. Alguns chamam essa técnica de Arte Naïf, mas Heitor era único no seu desenho e no seu gingado. Ele une as cores da África, com a alegria da música e do carnaval brasileiro.

 

5 – Negros sempre olhando para cima

Praticamente em todos os seus quadros, faz a representação de pessoas nas pontas dos pés e com o olhar voltado para cima. Esse olhar enigmático é fascinante. Diversas linhas marcam presença na sua pintura, carregada também de detalhes como o modelo dos sapatos, a costura das roupas, os objetos ou o chão quadriculado de bares, por exemplo

 

6 – Um impulsionamento real

Em tempos de memes, que falam que a rainha Elizabeth já viu de tudo nessa vida, vale comentar que ela gostou muito de um dos quadros de Heitor dos Prazeres. Em 1943, quando ainda era princesa, o quadro ”Festa de São João” foi apresentado em uma exposição beneficente em Londres, em prol das vítimas da Segunda Guerra Mundial. Infelizmente, como muitos outros artistas brasileiros, ele precisou brilhar no exterior para conseguir reconhecimento no seu próprio país, mas o elogio vindo da coroa britânica ajudou a alavancar sua carreira de pintor. Com isso, merecidamente, passou a integrar o disputado circuito de exposições brasileiras.

 

7 – Rodeado de amigos e mulheres bonitas

Heitor dos Prazerem gostava de arte, música, dança e pintura. Era um artista completo que adorava estar rodeado de amigos e mulheres bonitas, chamadas por ele de ”minhas cabrochas”. Curiosamente, foi por meio da pintura que conheceu um dos maiores compositores brasileiros. Noel Rosa, que na época ainda era estudante de medicina, ficou encantado com a ilustração que o próprio Heitor tinha feito para a sua música. Viraram amigos e também criaram letras em conjunto. Certamente, você já deve ter escutado “O Pierrot Apaixonado”, uma das músicas mais bonitas do Brasil e assinada pelos dois.

Heitor dos Prazeres era mesmo surpreendente, em todas as suas facetas.