Quando os mais de 60 veleiros inscritos na 70.ª edição da Regata Santos-Rio partirem da baía de Santos, no litoral paulista, rumo ao Rio de Janeiro, ao meio-dia desta sexta-feira, 23, só um deles será comandado por uma mulher. A administradora Maria Elisa Mirow, de 54 anos, vai conduzir a tripulação do Minna, em uma prova com percurso de 180 milhas náuticas (cerca de 300 quilômetros) e duração de até quatro dias.

Mais tradicional prova brasileira de Vela de Oceano, categoria que será incluída na Olimpíada a partir de Paris-2024, a regata vai ter a participação de ícones do esporte. São estrelas como o bicampeão olímpico Torben Grael, seu irmão Lars (campeão mundial e ganhador de três medalhas de bronze em Olimpíadas); Samuel Gonçalves (parceiro de Lars no título mundial de 2015); Kiko Pelicano (parceiro olímpico de Lars e medalha de bronze em Atlanta-1996). Entre as inscritas, a mais famosa também integra a família Grael. É Martine, campeã olímpica na Rio-2016 e campeã mundial em 2014. Mas a única mulher no comando será Elisa, como costuma ser chamada.

“Nunca imaginei que um dia fosse comandar meu próprio veleiro, apesar de estar nesse meio e sempre sonhar com isso”, conta.

Elisa começou a velejar ainda criança, no Rio de Janeiro, a convite do tio-avô. “Quando eu era bem pequena, tinha uns 8 anos, meu tio-avô tinha um barquinho de madeira chamado Carioca, e eventualmente chamava a gente pra velejar, e desde o começo eu gostei muito”, relata. Embora os convites não fossem frequentes – o tio-avô talvez tivesse medo de levar uma criança ao mar, e então colocava Elisa na proa, bem presa a uma cadeira (“Tipo a cena do (filme) Titanic”, brinca a velejadora) -, despertou na criança o gosto por velejar.

A primeira participação esportiva aconteceu em 1982. “Já adolescente, com 15 anos, faltavam tripulantes nos barcos e me chamavam: ‘Ah, você quer vir com a gente, já que você sabe velejar?’ ‘Eu quero!’ Mas (quando não faltavam os integrantes oficiais) não entrava em tripulação nenhuma, porque era difícil mulher ser convidada, até por causa do peso”.

Quanto pesam os tripulantes – é um dos fatores que fazem da vela um esporte predominantemente masculino. A velocidade do barco depende do vento, que também influi na estabilidade da embarcação.

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“Do lado de cima (o lado do barco que fica mais alto quando o vento empurra a vela e o inclina) a gente coloca os tripulantes sentados na borda, para o barco não inclinar tanto e o vento conseguir empurrar melhor”, explica Elisa. “Perguntavam pra mim: ‘Quanto você pesa?’ Na época eu pesava 53 quilos. ‘Ah, a gente precisa de um cara que pese 95!’ Como resolver?”, lembra.

A velejadora-aprendiz se oferecia para outras funções em que o peso não importasse. Mas raramente conseguia espaço.

“Homem tem outra constituição (física), tanto que eu sou muito favorável à tripulação mista, porque acho que tem função para todo mundo. Mas naquela época quase não tinha mulher nos barcos”, registra. “Teve época em que diziam: ‘Ah, mulher a bordo traz azar!’ Hoje em dia as mulheres são mais aceitas.”

Em geral, o dono do barco é o seu comandante. A ele cabe garantir o bom andamento da navegação e segurança de todos.

“Vou correr uma regata Santos-Rio? A responsabilidade é minha de zelar pela saúde e pelo bem-estar da tripulação. Tenho que trazê-los sãos e salvos para casa. Mas o comandante não tem que dar todas as ordens nem tem que cuidar de tudo, porque cada um tem sua função. Tem uma pessoa que vai fazer a tática, as pessoas que entendem desse assunto decidem juntas. Tem uma pessoa que ajusta as velas, tem o proeiro, tem uma equipe toda”, conta Elisa.

A tripulação comandada pela velejadora é muito próxima. Nela, estão o marido, três filhos, um irmão, e só quatro tripulantes que não são parentes. “Espero que meu exemplo inspire outras mulheres, para que a vela tenha cada vez mais a presença feminina”, torce Elisa.


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