A centralidade do pensamento negro no campo das artes visuais brasileiras, em diferentes tempos e lugares. Essa é uma das principais premissas que norteia a exposição Dos Brasis – Arte e Pensamento Negro, a mais abrangente mostra dedicada exclusivamente à produção de artistas negros já realizada no Brasil. A exposição é gratuita e acontece até 28 de janeiro de 2024, no Sesc Belenzinho (SP). Depois disso, percorre diversas unidades do Sesc de todo o País.

Com curadoria geral de Igor Simões e tendo Lorraine Mendes e Marcelo Campos como curadores adjuntos, a exposição apresentará ao público diversas linguagens artísticas como pintura, fotografia, escultura, instalações e videoinstalações, produzidas do fim do século XVIII até o século XXI por 240 artistas negros de praticamente todos os Estados do Brasil. A exposição é intencionalmente cheia. Apresenta cerca de 400 obras, das quais uma parte inicial teve a seleção de Hélio Menezes, mas que precisou se desligar do projeto para assumir a curadoria da Bienal de São Paulo.

Até o período de pandemia ajudou na preparação da mostra e na discussão dos contornos éticos de um projeto dessa magnitude. A ideia de destacar a arte negra brasileira nasceu em 2018 no Sesc a partir de um projeto de pesquisa que tinha como objetivo conhecer, dar visibilidade e promover a produção afro-brasileira. Foram realizadas pesquisas in loco em todas as regiões do Brasil com a participação do Sesc de cada Estado e foi criado um programa de residência artística online intitulado “Pemba: Residência Preta”, que contou com mais de 450 inscrições e selecionou 150 residentes.

Obra de Moises Patricio
Obra de Moises Patricio (Crédito:Rodrigo Reis/Divulgação)

As pesquisas se desdobraram em atividades e programas como palestras, leituras de portfólio, exposições regionais, entre outras ações locais. Foram analisadas obras, documentos, portfólios e coleções públicas e particulares, além de terem sido feitas uma série de visitas nas casas e ateliês dos artistas para oferecer ao público um excelente recorte da história da arte produzida pela população negra do Brasil.

A proposta curatorial rompe com divisões como cronologia, estilo ou linguagem. Para esta exposição de arte preta, não caberá a junção formal, estilística ou estética. Dessa maneira, a exposição do Sesc Belenzinho terá sete núcleos: Romper, Branco Tema, Negro Vida, Amefricanas, Organização Já, Legitima Defesa e Baobá, que têm como referência pensamentos de importantes intelectuais negros de nossa história como Beatriz Nascimento, Emanoel Araújo, Guerreiro Ramos, Lélia Gonzales e Luiz Gama.

Para o curador Igor Simões, a exposição se diferencia porque, além de olhar para a produção de artistas negros, ela faz uma profunda reflexão sobre as definições da arte brasileira. A história artística brasileira tem muitas vezes apenas a visão do branco e não destaca marcos como a revolta de Estevão Silva contra o Imperador D. Pedro II no concurso de Belas Artes, a presença de Heitor dos Prazeres na primeira Bienal de São Paulo, a arte de Maria Auxiliadora, Mestre Didi, Rubem Valentim ou até mesmos os textos de Abidias Nacimento. “Ingênuo, popular, naif ou espontâneo não são categorias adequadas para classificar a arte negra brasileira, que para mim é a mais instigante da arte contemporânea brasileira”, destaca o curador.

Para Jorge dos Anjos, um dos artistas da exposição, a arte é a linguagem que nos comunicamos com o mundo. Ela já nasce com a gente, mas é necessário estímulo para ela se desenvolver. Com ele, não foi diferente. Nasceu em Ouro Preto ao lado de uma indústria de alumínio. Enquanto todos torciam para um dia trabalhar na tal fábrica, ele sonhava em ser artista.

Seu pai produzia alguns desenhos artísticos como hobby, mas alertava o filho sobre a importância de ter um emprego fixo em outra área ou de começar a ganhar seu próprio dinheiro. Determinado, o menino apostou todas as fichas na arte e, aos quinze anos, vendeu sua primeira arte. Ele teve o apoio da família e escolheu, desde cedo, uma linguagem artística de alto impacto, graças ao direcionamento que recebeu de professores como Amilcar de Castro.

Sua primeira escultura foi produzida em 1986 e, de lá para cá, sua produção com ação foi intensificada. De seu ateliê localizado no bairro de São Francisco (BH) já saíram obras com para os mais diversos cantos do Brasil e do mundo. Algumas dessas esculturas podem chegar a 1 tonelada de aço. Como eu costumo dizer, que Exu, o orixá da divindade, esteja sempre nos protegendo das encruzilhadas da vida e nos ajude a fazer boas escolhas como as que ele fez quando ainda era um adolescente.

Obra de Tiago Sant'Ana
Obra de Tiago Sant’Ana (Crédito:Divulgação)

Essa coluna é dedicada a duas mulheres negras, Nara e Marina, que são, respectivamente, a mãe e a tia do curador da exposição. As duas eram faxineiras de universidades do sul do Brasil. Mesmo com limitações financeiras, elas conseguiram incentivar Igor Simões a estudar desde cedo e a percorrer os seus sonhos.

Sem dúvida, se não fosse ele, muitos artistas negros não teriam a chance de apresentar as suas obras nessa bela exposição do Sesc e a oportunidade de ajudarem a escrever um novo capítulo da história da arte brasileira. Salve! Se tiver uma boa história para compartilhar, aguardo sugestões pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.