Desacretidados, os parlamentares voltaram aos trabalhos esta semana e terão menos de um ano para reverter a má avaliação popular. Pesquisas do XP/Ipespe e do Datafolha indicam que menos de 10% aprovam o trabalho dos congressistas. A percepção do cidadão comum é que nenhuma iniciativa eficaz surge dos legisladores. A expectativa nos bastidores é de que, em um ano eleitoral, o Congresso contará com apenas 90 dias úteis para a execução de uma agenda extensa, que passa por reformas, projetos de desenvolvimento social e pautas de costumes que o presidente tentará aprovar. Descrentes na reeleição de Bolsonaro, os integrantes da base aliada deverão dedicar a maior parte do tempo às suas próprias campanhas.

Atento a cada passo, o mandatário precisa aprovar os projetos de uma agenda econômica populista, mesmo que isso implique na implosão do teto de gastos. Também voltarão à cena, as pautas de retrógradas, já que os movimentos conservadores mais sectários são base do governo. No discurso ao Congresso na volta do recesso, o presidente alfinetou Lula por conta da possibilidade de regulação da mídia e mandou recado ao TSE, que monitora o aplicativo Telegram, dizendo esperar que nenhum Poder interfira na liberdade de expressão na internet. O ex-capitão também acenou para ruralistas e defensores da questão do armamento.

“A pauta de Bolsonaro não tem nenhuma conexão com as necessidades do povo” Marcelo Ramos, deputado (Crédito:Mateus Bonomi)

Líderes do Congresso, Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) mantêm o diálogo, mas deixam claro estarem em campos políticos opostos. Enquanto o presidente da Câmara defende o governo, o presidente do Senado é o nome presidenciável do PSD, até o momento. Na cerimônia, Lira disse que “agora o momento é união e diálogo porque o País tem pressa”, mas aproveitou para ironizar quem questiona as decisões do Parlamento, numa alusão a Reforma Trabalhista criticada por Ciro Gomes e Lula. Pacheco preferiu alvejar Bolsonaro. Ele destacou que as eleições devem ser respeitadas e que será um ano de “defesa da democracia”.

Cientes do descrédito, parlamentares minimizam as críticas da sociedade. O vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PSD-AM), pensa que “a população tem pouca compreensão do papel do Parlamento e acaba tendo uma visão distorcida”. Ele defende o protagonismo do Congresso na Reforma da Previdência, auxílio emergencial e vale gás. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP), por seu lado, “defende a pauta da direita eleita em 2018” e atacou os pares, afirmando que “uma parcela dos congressistas não colocam os interesses nacionais acima dos pessoais, o que desgasta a imagem do Parlamento”. O senador Fabiano Contarato (PT-ES) crê que a “população valoriza o Congresso”, destacando que “o Senado impôs relevantes freios aos surtos autoritários e atentados de Jair Bolsonaro”. Para a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP) é compreensível o descontentamento da população. “O Congresso aprova os projetos contra o povo, não responde às necessidades da crise econômica e social e não pune Bolsonaro”.

O Congresso, no entanto, tem temas urgentes para discutir, tais como: confirmar o salário mínimo de R$ 1.212, autorizar a remessa humanitária de vacinas contra a Covid, a ampliação do Programa Prouni para estudantes de escolas particulares e os créditos extraordinários para enfrentamento às enchentes.

A liberalidade econômica prometida pelo presidente e chancelada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, não se realizou. O governo tenta se salvar com uma Reforma Tributária que atraia investimentos do exterior, mas não há otimismo que ela seja aprovada em ano eleitoral. A respeito da Reforma Administrativa, líderes do governo dizem que esse assunto deverá ficar para 2023. O controle de preço dos combustíveis é outro tema difícil. Primeiro porque mexerá com os impostos estaduais (ICMS) e os governadores mobilizarão suas bases contra o projeto. A redução dos impostos do gás de cozinha e do diesel serão as prioridades. Ainda dentro da pauta econômica, a privatização dos Correios está travada no Senado. Com objetivo de aumentar a arrecadação de impostos, mas com uma resistência dos evangélicos, estará em debate a liberação dos cassinos e dos bingos. O senador Flávio Bolsonaro, inclusive, viajou para Las Vegas, EUA, para saber mais sobre o setor.

A pauta de costumes perdeu muita força, principalmente depois que Bolsonaro se aliou ao Centrão. Mas segue no horizonte dos bolsonaristas. Ele quer voltar à discussão da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Também insiste no aumento do número de armas de fogo para colecionadores e caçadores de 6 para 16. É provável que inclua outros temas no decorrer do ano, mas será apenas cortina de fumaça. Dificuldades é o que o mandatário deverá colher no Congresso, segundo o cientista político Rubens Figueiredo. Ele diz que o presidente não conseguiu montar uma base sólida no parlamento e costuma “abraçar causas muito polêmicas e inadequadas para um ano eleitoral”. Figueiredo ainda avalia que deputados e senadores estão muito expostos às críticas e só aparecem de forma positiva quando existem grandes reações ao governo federal, como no “caso de impeachment de presidente da República”. O tipo de oportunidade que esse legislativo perdeu e não foi por falta de motivos.