Na avaliação de penalistas consultados pela IstoÉ, o PL (Projeto de Lei) da Dosimetria, aprovado na Câmara dos Deputados na noite de terça-feira, 9, para reduzir as penas aplicadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal) a Jair Bolsonaro (PL) e aliados condenados por uma tentativa de golpe de Estado e aos participantes do 8 de janeiro não extrapola as prerrogativas do Poder Legislativo.
Frederico Crissiuma de Figueiredo, especialista em direito penal e advogado da Castelo Branco Advogados Associados, afirmou redução das penas criminais é prerrogativa exclusiva do Congresso. “Se o legislador identifica que determinadas penas foram desproporcionais ou excessivas, cabe proceder aos ajustes necessários dentro do processo legislativo regular”, disse à IstoÉ.
O advogado entendeu que não houve exageros nas sentenças do STF, que condenou o ex-presidente a 27 anos e três meses de prisão e aplicou penas de até 17 anos e meio de reclusão aos participantes da quebradeira de Brasília, mas acrescentou que essa interpretação cabe aos parlamentares. “A resposta penal foi adequada à gravidade das condutas e ao risco concreto imposto ao Estado Democrático de Direito”, avaliou.
Leonardo Sica, doutor em direito penal e presidente da seção de São Paulo da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), disse à IstoÉ que os condenados em questão serão beneficiados pelo princípio retroativo da lei penal favorável. “Se o Congresso vota uma lei a qualquer momento dizendo que a pena de homicídio passa a ser de dois anos, essa mudança é aplicada a todos os condenados anteriormente“, explicou.
Na avaliação do jurista, penas altas de prisão “só devem ser aplicadas a pessoas que não podem andar na rua porque representam um risco para a sociedade” e foram exageradas nesse processo, em especial quanto aos participantes do 8 de janeiro. “O importante era processar, julgar e condenar os participantes, mostrar que houve uma tentativa de golpe e ela deve ser sancionada. Mas essas pessoas não deveriam ser retiradas do convívio social por quase 20 anos, e acredito que essa seja a margem para a revisão das sentenças”.
Mas Sica considerou que o contexto da aprovação foi “casuístico” e “deslegitima o processo”. No final de semana que antecedeu a votação na Câmara, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) lançou sua candidatura à Presidência da República para, em seguida, dizer que havia um “preço” para se retirar da disputa, atrelando uma desistência à libertação do próprio pai.
O grupo de Bolsonaro defendia a aprovação de um projeto de anistia “ampla, geral e irrestrita”, que excluiria as condenações dos golpistas e participantes do 8 de janeiro e devolveria os direitos políticos do ex-presidente, que está inelegível. Diante da falta de condição política para aprovação dessa versão, parlamentares da base do governo Lula (PT) e analistas consideram que os 291 votos favoráveis ao PL da Dosimetria foram a resposta possível do “centrão” à condição colocada por Flávio.
Consunção reduz tempo de Bolsonaro na cadeia
Avalizado pela Câmara, o texto será submetido à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) e ao plenário do Senado e, em caso de aprovação na Casa, enviado para o veto ou sanção presidencial. Uma vez validado, o PL reduz a pena de Bolsonaro com base no princípio da consunção, em que a condenação por golpe de Estado se sobrepõe e, portanto, absorve a punição por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
A pena para o segundo delito é de seis anos e seis meses de reclusão, ante oito anos e dois meses por golpe de Estado. Com a absorção, o tempo de pena previsto para o ex-presidente se reduz, antecipando a progressão para o regime semiaberto ou aberto. Para Leonardo Sica, a consunção era aplicável no caso. “Existem dois crimes principais que baseiam a condenação de Bolsonaro, e um deles bastaria”, disse o presidente da OAB-SP.
Figueiredo concordou. “O Supremo, no exercício de sua função de intérprete último da Constituição e da legislação penal, entendeu que tais crimes protegem bens jurídicos distintos e, portanto, não se consomem entre si. Pessoalmente, sempre defendi que haveria consunção neste caso, uma vez que a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito absorveria o propósito golpista“, afirmou à IstoÉ.