Congresso se tornou ‘mais importante’ do que presidente, diz Tabata

Em entrevista à IstoÉ, deputada defendeu pressão popular contra má qualidade das decisões e disse integrar 'minoria' na Câmara

'Congresso se tornou mais importante do que presidente', disse deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) no programa IstoÉ Entrevista

Ao aprovarem o PL da Dosimetria, que reduz as penas dos condenados pela invasão do 8 de janeiro, Câmara dos Deputados e Senado voltaram a demonstrar que, no contexto atual, o Congresso é mais poderoso do que a Presidência da República. Essa é a avaliação da deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP).

Nesta entrevista à IstoÉ, Tabata afirmou que o Legislativo é capaz de “segurar” as pretensões de um ocupante ruim do Palácio do Planalto e mesmo um bom presidente pode ter a vida dificultada pelos parlamentares.

Neste contexto, a deputada disse fazer parte de uma minoria e defendeu que os únicos instrumentos para a qualificação das decisões são a pressão popular, que fez o Senado enterrar a PEC da Blindagem, aprovada pelos deputados e amplamente rejeitada em protestos, e a oportunidade de “mudar mesmo” os mandatários em 2026.

Assista à entrevista na íntegra

Leia a conversa com Tabata Amaral

IstoÉ O Plano Nacional de Educação aprovado na Câmara prevê que até 10% do PIB brasileiro seja investido na área em dez anos. A versão anterior do PNE também estabeleceu essa meta, mas o investimento estacionou nos 5%. Por que confiar que desta vez ela será cumprida?

Tabata Amaral Estamos falando de um plano para a educação brasileira nos próximos dez anos. O Brasil não gosta muito de se planejar, mas esse é um instrumento fundamental. As nações mais desenvolvidas têm planejamento de 10, 25, 50 anos, e elas entendem que educação é fundamental, tanto para o social quanto para a economia.

Quando eu fui convidada para presidir essa comissão [do PNE], hesitei por um momento, porque gosto de coisas concretas. Para que esse plano seja de fato diferente, o primeiro ponto foi ter um olhar para as metas que não fosse só teórico.

Fizemos questão de rodar o Brasil, foram 27 seminários estaduais para ouvir professores, diretores, pais e alunos e estabelecer metas que falassem do chão da escola. São mais de 70, que incluem a alfabetização até o primeiro ano, a escola em tempo integral, a inclusão do aluno com deficiência, enfim, olhamos para cada meta com base na realidade.

Mas nada adianta um plano belíssimo que é só isso, então compramos briga em Brasília para estabelecer um monitoramento da evolução de cada uma das metas por município, estado e nação, o que nunca aconteceu antes, e vamos responsabilizar os gestores [pelo estágio do cumprimento].

Os 10% de financiamento são um objetivo político, que entendemos ser necessário para levar a educação a um patamar muito diferente. Mas nós calculamos quanto custa para bater as metas do PNE e entendemos que, para fazer o mínimo, precisamos levar o investimento de pouco mais de 5% para 7,5% [do PIB]. 

IstoÉ O texto aprovado excluiu a liberação do ensino domiciliar, o ‘homeschooling’, e o financiamento de vouchers para a matrícula de alunos em escolas particulares. A senhora é contrária a essas propostas?

Tabata Amaral Sou contra o homeschooling. É uma prática que aumenta os dados de violência contra as crianças, especialmente sexual. Em um país tão pobre e desigual, a escola é um refúgio; a maioria das denúncias de violência contra a criança é feita dentro delas. Não tenho a menor dúvida de que nós não vamos conseguir garantir os direitos de toda criança que não estiver matriculada na escola, e nosso papel é protegê-las.

Essa é a posição da Tabata, que não cabe ao PNE. Há um projeto no Senado sobre regulamentação do homeschooling, mas não se trata de colocar uma meta, desenhar uma estratégia, que é o que faz o Plano Nacional de Educação. 

Quando a gente fala de voucher, além da minha posição contrária, se trata de uma proposta inconstitucional. Você pega o investimento feito por aluno na escola pública e dá aos pais ou à família para a matrícula em uma escola privada. A nossa Constituição não permite que se dê um valor maior do que o investido na escola pública, onde o investimento por aluno é baixo, de 300 a 400 reais por mês. Naturalmente, a quantia é insuficiente para a matrícula em escolas de boa qualidade, que custam mil, dois mil, até dez mil reais [mensais]. 

Há um outro dispositivo, chamado charter, que permite a uma ONG, uma instituição sem fins lucrativos, administre uma escola com os mesmos recursos e possa obter resultados melhores. Acho que esse pode ser um bom laboratório para experimentação, mas não é o que está em debate.

“Homeschooling aumenta a violência contra as crianças, especialmente sexual“.

IstoÉ Em 2025, o uso de celulares em escolas e a monetização de conteúdos de menores de idade nas redes sociais foram proibidos. O ano foi positivo para a educação brasileira?

Tabata Amaral É difícil falar que o ano foi positivo para as crianças do Brasil porque houve um aumento dos casos de violência contra elas, o que representa uma falha nossa como país. Mas estou esperançosa, porque foi o primeiro ano cheio do Pé-de-Meia, projeto que tenho mais orgulho de ter escrito, com 4 milhões de jovens [beneficiados] e índices positivos de participação e notas no Enem.

É uma juventude que está ingressando no ensino superior, no ensino técnico e no mercado de trabalho. Além disso, vamos terminar o ano com Sistema Nacional de Educação e Plano Nacional de Educação. São duas coisas que não viralizam, mas mostram que planejamento e gestão trazem avanços

E, como você mencionou, se as redes sociais viraram um refúgio para pedófilos e crimes contra a criança, o Congresso respondeu — enfrentando muita resistência e lobby, conseguimos tirar os celulares das escolas. Defendo a regulação das redes sociais e a proibição de que crianças as utilizem, como na Austrália e em vários outros países, mas ainda não conseguimos fazer esse debate no Brasil.

Tabata aprovou proibição do uso celulares em escolas, prestes a completar um ano: ‘Congresso enfrentou lobby e respondeu’

IstoÉ Como debater regulação das redes sociais sem propor censura?

Tabata Amaral Esse é o debate que importa: como proteger o direito constitucional de cada pessoa se manifestar livremente e também o de que nossas crianças não sejam vítimas de abuso ou aliciadas para atacar uma escola. O PL das Fake News, do qual sou autora, tramita há seis anos sem votação porque o lobby contrário das empresas, com receio de perder lucro ao se enquadrar a algumas regras, impede.

O papel da regulação não é olhar para o que um usuário escreve na rede social, não há qualquer discussão sobre a opinião política ou gosto das pessoas. O que precisamos regular é a transparência do funcionamento.

Para dar um exemplo certeiro, há vários perfis falsos que usam o rosto do [médico] Drauzio Varella para divulgar remédios; eles são verificados e tem conteúdo monetizado, ou seja, um criminoso colocou dinheiro e concedeu seus dados à plataforma, mas mesmo com as denúncias e processos movidos pelo doutor Drauzio, nenhum desses perfis é derrubado.

Não se trata de liberdade de expressão, mas do rosto de uma pessoa sendo usado para enganar outras. Quem faz isso tem de ser responsabilizado e, na rede social, isso não acontece.

A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) participa do programa IstoÉ Entrevista

A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) participa do programa IstoÉ Entrevista

IstoÉ Há outro projeto seu, o Prever, com relação a políticas de prevenção a ataques em escolas, que também está parado no Congresso. Há perspectiva de avanço nessa pauta?

Tabata Amaral O maior desafio é essa polarização extremada, que emburrece. Pouco depois de uma série de ataques terríveis a escolas que ocorreram no Brasil, foram apresentados vários projetos super populistas, que viralizam, mas não resolvem nada. Então nós construímos projetos que dão mais trabalho e efetivamente funcionam.

A prioridade é a regulação das redes sociais. Não é possível que uma plataforma tenha conhecimento de um grupo que alicia menores de idade para atacar uma escola e esse grupo não seja derrubado. O governo tem de ser notificado e, como segundo ponto, investir em inteligência para ter capacidade de chegar antes da tratégia acontecer.

Por fim, a necessidade de investimento em saúde mental. Tem algo de errado quando há tantos casos de suicídio de crianças e adolescentes. É preciso haver cultura de paz nas escolas, combate a bullying, mas promover uma discussão estruturante como essa não viraliza e, portanto, não tem espaço no plenário [da Câmara]. O que tem espaço são as balas de prata, a PEC da Blindagem, o aumento de deputados.

“O maior desafio é essa polarização extremada, que emburrece“.

IstoÉ No contexto das pautas que a senhora mencionou, passamos por um momento de atuação dos parlamentares em causa própria, motim na Câmara e deputados condenados pelo STF. É possível acreditar no bom trabalho do Legislativo pelo país?

Tabata Amaral Se eu não acreditasse, estava tendo filhos, ganhando e não me sacrificando nessa política maluca. Sou filha de uma diarista e de um cobrador de ônibus, vista como alguém que não tem ‘pedigree político’ pelo Valdemar Costa Neto [presidente do PL], e consegui aprovar mais de 20 projetos que viraram lei nos meus dois mandatos. Diziam que eu iria me corromper ou ser engolida, e aprovamos o Pé de Meia, o absorvente nas escolas, a ampliação da licença-paternidade e o PIX Pensão para as mães que não recebem pensão alimentícia para seus filhos. É custoso, tem sacrifício, mas é possível. 

A questão é que não existe salvador da pátria. É preciso um conjunto de pessoas para mudar a realidade e, hoje, eu sou minoria no Congresso. Voto contra o fundão eleitoral, o aumento de deputados, a PEC da Blindagem, o PL da Dosimetria, mas somos minoria. Quando a gente consegue reverter isso? Quando as pessoas vão para a rua. A PEC da Blindagem foi enterrada no Senado porque as pessoas foram para a rua. Para não ter de ir a rua todo final de semana, é preciso mudar o Congresso em 2026.

O desafio é que serão seis votos, de deputado estadual e presidente, e a chance de que as pessoas pesquisem para todos é quase nula. O brasileiro tem essa paixão pelo voto do presidente da República, mas hoje, o Congresso é mais importante do que o presidente. Se o presidente for ruim, o Congresso segura; se for bom, talvez não consiga fazer muita coisa.

“Para não ter de ir a rua todo final de semana, é preciso mudar o Congresso“.

IstoÉ Os partidos da base do governo Lula têm priorizado as candidaturas ao Senado em 2026. No caso de São Paulo, o PSB pretende pleitear uma candidatura? E as outras em disputa na chapa?

Tabata Amaral A primeira discussão que tem que ser proposta para o Senado é procurar nomes de qualidade, porque não dá certo eleger senadores só porque eles são bolsonaristas, psolistas ou coisa do gênero. Candidatos dos extremos terão mais dificuldades de serem eleitos, e a principal forma de buscar competitividade é escolhendo candidatos de centro, sejam eles mais à esquerda ou mais à direita. Ou não teremos chance.

Em São Paulo, o trabalho do PSB é para juntar os melhores nomes possíveis. No caso do vice-presidente Geraldo Alckmin, não há melhor nome do que ele para ser novamente vice-presidente. Para o governo, nós temos o ministro Márcio França, que por muito pouco não ganhou a eleição do João Doria [em 2018] e é pré-candidato.

Fizemos convites para a ministra Simone Tebet [MDB, do Planejamento], que acho que tem tudo a ver com o PSB, é uma política mais de centro, com foco no social e no fiscal e poderia ser um nome muito competitivo em São Paulo, e para a ministra Marina Silva [Rede, do Meio Ambiente], cuja história e resultados nem preciso detalhar. Nós estamos montando um time fora dos extremos. 

O presidente Lula ao lado das ministras Marina Silva e Simone Tebet: PSB fez convites de filiação a ambas

O presidente Lula ao lado das ministras Marina Silva e Simone Tebet: PSB fez convites de filiação a ambas

IstoÉ No caso da eleição presidencial, o PSB se coloca na discussão para pleitear a sucessão do presidente Lula? Dado o histórico do PT, é possível que o partido lidere esse projeto?

Tabata Amaral O presidente Lula é a única figura que tem força de voto, hoje, para enfrentar extremismos. Enquanto essa for a questão, estaremos com ele. Agora, o PSB é um partido independente, que em São Paulo, Pernambuco e outros estados já enfrentou o PT, inclusive. Eu fui candidata à prefeitura de São Paulo em uma candidatura de centro, enquanto o PT insistiu na candidatura do Guilherme Boulos [do PSOL, derrotado no segundo turno]. É possível separar o PT do presidente Lula.

O que cabe ao PSB é perceber que os brasileiros estão ansiosos por um projeto de país que não seja sobre uma pessoa. É o que estamos tentando fazer. Nós entendemos que a prioridade deste projeto tem que ser o combate à pobreza, mas comprometida com a responsabilidade fiscal. O maior problema do Brasil é a segurança pública, que é uma pauta em que não há lugar para ideologia, e nossas gestões estaduais mostram como combater o crime de forma técnica e integrada.

“Lula é a única figura com força de voto para enfrentar extremismos“.

IstoÉ Faltam bandeiras de segurança pública e combate ao crime no campo da esquerda, incluindo ao governo Lula?

Tabata Amaral Faltam. Há um discurso marqueteiro de que falar desse tema custa votos, e eu acho que as pessoas exigem de nós [políticos] coragem para falar de segurança pública. Acredito que marqueteiros e palpiteiros aconselham o presidente a não entrar nesse tema, mas acho que ele deveria — primeiro porque ele é o presidente, e segundo, porque tem sensibilidade

Tenho convicção de que o presidente Lula, pelo que conheço dele, que ele vai se doer com a dor da mãe que é assaltada no ponto de ônibus e teme que o filho seja cooptado pelo crime organizado. Os palpiteiros alimentam a ilusão de que, se Lula não falar do tema, não será cobrado por ele, mas será, porque é o principal problema do Brasil. 

Isso [se omitir] o PSB nunca fez, porque nós entramos para falar e resolver do problema, como mostram nossas gestões, Alckmin, Casagrande [governador do Espírito Santo] e Eduardo Campos [ex-governador de Pernambuco], com sensibilidade social e coragem para enfrentar o crime. Hoje você não vê o governo federal entrar nesse assunto.