O Congresso da Argentina se prepara para conceder o primeiro triunfo legislativo ao presidente ultraliberal Javier Milei nesta quinta-feira (27), com a aprovação de seu pacote de reforma econômica, embora reduzido em relação à versão original, após muitas mudanças durante meses de debate.

A Câmara dos Deputados começou a analisar ao meio-dia (mesmo horário em Brasília) as modificações que o Senado introduziu na chamada “Lei Bases”, com um forte dispositivo de segurança nos arredores do Congresso, onde foram registrados protestos e incidentes durante o debate na Câmara Alta.

Com essa lei, Milei obterá poderes legislativos delegados por um ano, incentivos para grandes investimentos por 30 anos, uma flexibilização da legislação trabalhista e autorização para privatizar diversas empresas públicas, entre outros pontos.

Os deputados também revisarão um pacote de reformas fiscais.

Ambos os projetos do Executivo podem se tornar lei após um dificultoso trâmite que os devolveu à Câmara dos Deputados como instância revisora das mudanças.

Embora as previsões indiquem a aprovação de ambas as leis, o debate não deve ser fácil, uma vez que o governo, sem maioria, buscará o apoio de aliados para insistir em alguns artigos que foram deixados de lado para o avanço do processo parlamentar.

– ‘Sucesso’ –

No campo político, a aprovação “significará um sucesso total para o governo”, disse à AFP o cientista político e economista Pablo Tigani.

Mas, economicamente, “será um retorno à política dos anos 1990 com desregulamentações, privatizações e abertura incondicional da economia que provocará um duro golpe na indústria e nas pequenas e médias empresas nacionais, com uma transferência de renda fenomenal para os setores mais concentrados da economia”, avaliou.

Nesse sentido, Tigani alertou que “as leis não significam muito quando a situação econômica e social é explosiva” para um presidente com “problemas de governabilidade” e que está “em xeque na situação social”.

A Argentina, com sua economia em recessão e uma inflação anual de 280% em maio, sofreu um colapso de 5,1% no Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre deste ano e tem mais de metade da sua população na pobreza.

Desde que Milei assumiu o poder em dezembro, o índice de desigualdade na distribuição da riqueza registrou o marco mais elevado desde 2008.

O cenário também representa novos desafios políticos, segundo o analista Carlos Germano, da consultoria Germano y Asociados.

“Conseguir [aprovar] a primeira lei é de extrema importância política, mas o governo tem agora um novo desafio porque a oposição vai começar a gerar outra política totalmente diferente daquela destes seis meses”, afirmou.

Isso obrigará Milei “a priorizar a gestão, ser muito mais presidente e parar de promover o personagem que lhe permitiu chegar até aqui”, completou.

– Negociações de última hora –

Originalmente, a “Lei Bases”, que Milei lançou como sustentação de seu plano de governo, continha mais de 600 artigos com reformas de liberalização e desregulação da economia, mas, após o fracasso em fevereiro, o projeto foi reduzido a 238 artigos que também foram modificados no Senado.

Para conseguir a aprovação, o governo retirou da lista de empresas a serem privatizadas a companhia aérea Aerolíneas Argentinas, o Correo Argentino e a Radio y Televisión Argentina (RTA) que controla a TV Pública e a Radio Nacional.

Tudo indica que não fará questão de reintroduzi-las, visto que este ano não poderá mais apresentar uma nova lei para privatizá-las.

Também não insistirá na reforma do sistema previdenciário que envolveu a eliminação de uma moratória que beneficia aqueles que, ao atingirem a idade de aposentadoria, não conseguem comprovar 30 anos de contribuição em um país onde quase metade dos trabalhadores atua no mercado informal.

Uma das questões mais controversas é a tributação, depois que o Senado retirou do pacote fiscal uma reforma do imposto de renda que permitiria ao tesouro reforçar a renda que se deteriorou como resultado da recessão econômica.

O chefe de gabinete Guillermo Francos antecipou que o governo insistirá em reintroduzir esse artigo considerado essencial.

Os deputados podem aceitar as emendas do Senado ou rejeitá-las total ou parcialmente, bem como insistir no texto original. Posteriormente, o Poder Executivo terá de promulgar a lei ou poderá vetá-la no todo ou em parte.