Os “poderes delegados” pedidos pelo presidente, Javier Milei, dominaram nesta quinta-feira (01) os debates no Congresso argentino sobre as mais de 300 reformas econômicas e políticas promovidas pelo governo ultradireitista, em um clima tenso devido aos protestos da oposição, reprimidos pela polícia.

A Câmara dos Deputados, onde a situação tem apenas 38 das 257 cadeiras, mas conta com o apoio da oposição de centro-direita para aprovar parte do projeto da chamada “Lei Ônibus”, debate as medidas há dois dias.

A oposição peronista e de esquerda concentrou suas críticas nas reformas do Código Penal que contemplam a criminalização dos protestos de rua, a privatização de empresas, a captação de dívida externa sem a aprovação do Congresso e, sobretudo, os “poderes delegados”, que, na prática, permitem a Milei governar por decreto em várias áreas.

“É preciso discutir a quem dar os poderes delegados: a um presidente que não acredita na democracia, que não reconhece o Congresso, que acusou os legisladores de cobrarem propinas?”, questionou a deputada Paula Penacca.

Os “poderes delegados”, concedidos a outros presidentes, serão votados “em particular” após uma eventual aprovação “em geral” da Lei, cuja sanção dependerá, depois, do Senado, onde a situação – em minoria – precisa reeditar alianças.

Milhares de pessoas se reuniram até a noite de ontem em frente ao Congresso, em repúdio à lei. Quatro jovens foram detidas e libertadas nesta quinta.

Seguindo um protocolo “anti-piquetes” do governo Milei, que proíbe a interdição de ruas, forças policiais federais formaram cordões com escudos, veículos antimotins e dispersaram gás pimenta na direção de manifestantes que lotavam as calçadas.

Sob um calor com temperaturas recorde, opositores e sindicatos convocaram novas marchas para esta quinta-feira, e, em confronto com a polícia, um manifestante sofreu um ferimento no rosto em circunstâncias pouco claras.

– ‘Querem cuidar dos privilégios’ –

Por meio de alianças, Milei busca uma primeira aprovação “em geral” da “Lei Ônibus” de reformas econômicas, políticas, de segurança e ambientais de mais de 300 artigos, mas o resultado final dependerá da votação “artigo por artigo” da lei, que nas negociações perdeu metade de seu conteúdo.

A oposição antecipou que o projeto sofreria alterações e, de fato, o texto definitivo continua sendo negociado enquanto é debatido.

“Não temos em nossas bancadas o texto definitivo do que vão submeter à votação”, afirmou Germán Martínez, líder da bancada peronista, uma situação inédita que persistia na noite de hoje.

Os deputados governistas defenderam o projeto com ataques concentrados na gestão dos governos anteriores.

Durante a sessão, Milei publicou uma imagem enigmática, criada por inteligência artificial, de um leão gigante – sua marca registrada – ao lado do Congresso, abrindo uma jaula diante de uma multidão de argentinos que não se entende se entram ou saem da mesma.

“O projeto é polêmico, mas só para quem quer cuidar dos seus privilégios, que vêm do modelo anterior que nos trouxe até aqui, a este lugar de miséria, de indigência”, disse o deputado governista ultraliberal José Luis Espert, ao abrir a sessão de quarta-feira.

– ‘Viciado na dívida’ –

Na semana passada, o governo retirou um “capítulo fiscal” do contestado projeto, com o qual buscava assegurar o “déficit zero” nas contas do Estado, mas mantém o pedido de captar dívida externa sem passar pelo Congresso, como é exigido atualmente.

O ministro da Economia, Luis Caputo, “é um viciado na dívida, que diz que não vai voltar a se endividar”, disse a opositora Florencia Carignano, lembrando o papel de Caputo no governo do direitista Mauricio Macri (2015-2019), quando a Argentina tomou um crédito de 44 bilhões de dólares (cerca de R$ 217 bilhões, na cotação atual) com o Fundo Monetário Internacional (FMI).

O texto original da “Lei Ônibus” assegurava a Milei um corte nos gastos públicos de cerca de 5% do PIB, que agora promete alcançar com outras medidas de ajuste.

Milei já baixou um ‘decretaço’ que modifica centenas de normas e leis para reverter com desregulamentações amplas uma crise que mantém mais de 45% dos argentinos na pobreza, com uma inflação anual de 211% em 2023.

Antes, o presidente aprovou uma desvalorização de 50% do peso e a liberação de todos os preços da economia, que fez a inflação escalar para 25,5% em dezembro.

Além disso, resgatou o programa de crédito de 44 bilhões de dólares com o FMI, que elogiou esses primeiros ajustes, mas previu uma recessão de 2,8% na economia argentina em 2024.

Na quarta-feira, o Fundo aprovou a liberação de 4,7 bilhões de dólares (23,2 bilhões de reais) – para saldar sua própria dívida – em apoio às “medidas ousadas” de Milei, embora tenha alertado que “o caminho para a estabilização será difícil”.

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