O Congresso argentino debate, nesta quarta-feira (31), o polêmico pacote de reformas ultraliberais proposto pelo presidente Javier Milei que, após negociações complicadas, conseguiu o apoio condicional de aliados e de parte da oposição.

A minoria governista, formada por 38 dos 257 deputados, anunciou que obteve o apoio necessário para aprovar, “em geral”, a chamada “Lei Ônibus” de reformas econômicas, políticas, de segurança e ambientais composta de 386 artigos, uma extensão recorde que exigirá vários dias de debate.

“O projeto é polêmico, mas apenas para quem quer cuidar de seus privilégios, que vêm do modelo anterior que nos trouxe até aqui, para este lugar de miséria, indigência”, disse o deputado governista ultraliberal José Luis Espert, no início do debate.

“Sei que a sociedade está madura para viver em liberdade”, assegurou.

A oposição antecipou publicamente que o projeto sofreria mudanças em vários capítulos e, de fato, a discussão começou com os governistas enumerando uma longa lista de artigos retirados do texto original.

A oposição peronista, que governou até dezembro, e a minoria de esquerda (104 deputados no total) rejeitam o projeto, que inclui dar a Milei faculdades legislativas “delegadas”, que geram alarme entre seus críticos.

“Isso não é uma lei, isso é um cambalacho”, declarou a deputada e ex-candidata presidencial esquerdista Myriam Bregman no começo da sessão.

“São libertários, mas não acreditam na liberdade, não acreditam na democracia. E, em todo caso, restringem a liberdade a um só aspecto, que é o papel que dão ao Estado para reprimir”, denunciou o deputado opositor Leopoldo Moreau.

“Reprimir para garantir a liberdade do mercado. Por isso, este projeto não contém expressões como desenvolvimento, inclusão social, fortalecimento democrático, promoção do consumo”, prosseguiu.

O resultado final dependerá depois da votação “artigo por artigo” da lei, quando várias reformas-chave podem ser rejeitadas, como a privatização parcial ou total de 41 empresas públicas que a oposição considera de valor estratégico nacional.

Alguns artigos da lei “ainda estão sendo tema de negociação”, disse o deputado de centro Martín Tetaz, que, assim como o restante da oposição, iniciou a sessão sem ter uma cópia definitiva das mudanças discutidas com a situação.

Uma vez aprovada, a lei seguirá para o Senado, onde o governo tem apoio de apenas sete dos 72 senadores, mas também espera contar com os mesmos aliados que conquistou na Câmara dos Deputados. Se o Senado introduzir alterações, o texto terá que retornar à Câmara.

– ‘Poderes delegados’ –

Há cinco dias, para garantir a aprovação da lei, o governo retirou um “capítulo fiscal” do projeto, com o qual buscava assegurar o “déficit zero” nas contas fiscais.

Também abriu mão de alterações no sistema previdenciário, que afetariam a atualização periódica da renda de quase seis milhões de aposentados, depreciada pela inflação.

Durante o debate, em frente ao Congresso e em meio a um alerta meteorológico de calor extremo, centenas de pessoas, muitas delas aposentadas, protestavam contra as reformas de Milei.

“Espero que as rejeitem porque se não, é uma monarquia. Como podem dar poderes absolutos a este demente?”, comentou Marcela Ramenda, uma aposentada de 64 anos, que participou do protesto, referindo-se aos “poderes delegados” para Milei, previstos no projeto.

A oposição rejeita a extensão e o alcance dos “poderes delegados”, que permitem governar por decreto e que Milei exigiu para introduzir as reformas que forem excluídas na Lei. A situação propôs limitá-los a um ano e excluir os temas tributários e previdenciários.

O texto original da Lei Ônibus garantiria a Milei um corte nos gastos públicos de cerca de 5% do PIB, promessa que agora ele afirma alcançar com outras medidas de ajuste, como a diminuição das transferências para as províncias.

– Consensos e ajuste –

Os blocos opositores que apoiaram o governo anteciparam seu respaldo às controversas mudanças na regulamentação de manifestações de rua, leis sobre florestas, geleiras e manejo do fogo, reformas no mercado de energia, e a eliminação ou redução de entidades públicas culturais e dedicadas à luta contra a discriminação, entre outras.

Desde que assumiu a Presidência há 50 dias, Milei concentrou suas reformas na Lei Ônibus e em um “megadecreto”, com os quais pretende redefinir o sistema econômico e modificar centenas de normas e leis, visando reverter uma crise que mantém mais de 45% dos argentinos na pobreza, com uma inflação anual de 211% em 2023.

Milei já avançou com uma desvalorização em 50% do peso e a liberação de todos os preços da economia, acelerando a inflação para 25,5% em dezembro.

Além disso, resgatou o programa de crédito de 44 bilhões de dólares (R$ 217,3 bilhões) com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que elogiou esses primeiros ajustes, mas previu uma recessão de 2,8% na economia argentina em 2024. Após ser eleito, Milei reconheceu que o país entraria em uma fase de “estagflação”.

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