Congresso aprova negociação de empréstimo com FMI em dia de protestos na Argentina

Luis ROBAYO / AFP
Protesto desta quarta-feira em Buenos Aires Foto: Luis ROBAYO / AFP

O Congresso argentino deu luz verde nesta quarta-feira (19) ao presidente Javier Milei para negociar um novo empréstimo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), no mesmo dia em que milhares de pessoas foram às ruas em Buenos Aires para apoiar os aposentados afetados pelo ajuste e em repúdio a um acordo com a organização internacional.

Convocados por sindicatos, organizações sociais e torcidas de futebol, os manifestantes se reuniram nas imediações do Congresso, protegido por grades metálicas, dezenas de viaturas e caminhões nos quarteirões de seu entorno. A operação policial incluiu mais de 2 mil efetivos.

Dentro do recinto, os deputados aprovaram por 129 votos a favor, 108 contrários e seis abstenções um texto que prevê um empréstimo que Milei deverá acordar com o FMI, por um montante não especificado que deverá ser reembolsado em dez anos. “Viva a liberdade, caralho!”, comemorou o presidente na rede social X.

O montante obtido, que se somará aos 44 bilhões de dólares (R$ 249 bilhões, em valores atuais) devidos pela Argentina em 2018, será utilizado para cancelar dívidas com o Banco Central (BCRA) e pagar obrigações do próprio FMI.

O país precisa do novo empréstimo para fortalecer suas reservas, em um contexto de nervosismo nos mercados e intervenção crescente do Banco Central para sustentar a moeda local.

“Os argentinos fizeram um esforço enorme para conseguir a estabilidade monetária, financeira e macroeconômica, e o saneamento do Banco Central é mais um passo para consolidar esse processo”, escreveu a Presidência argentina em comunicado.

Com o objetivo declarado de combater a inflação e sanear as contas públicas, Milei adotou um ajuste draconiano desde que chegou ao poder em dezembro de 2023.

‘As coisas pioram para nós’

“Cada vez que se aprova algo com o FMI, as coisas pioram para nós”, lamentou Rodolfo Celayeta, um aposentado de 73 anos, na marcha que permaneceu pacífica até o final da tarde, quando a maior parte dos participantes deixou o local.

Ao cair da noite, foram registrados alguns incidentes menores protagonizados por um grupo de manifestantes que derrubaram grades e atiraram pedras contra a polícia em frente ao parlamento argentino.

A ministra de Segurança, Patricia Bullrich, classificou de “bem-sucedida” a operação de segurança. Dois oficiais tiveram que ser retirados em ambulância, um atingido por fogos de artifício e outro desmaiado.

O protesto foi convocado em defesa dos aposentados, o setor mais desfavorecido pelo ajuste de Milei e cujas concentrações que acontecem às quartas-feiras diante do Congresso costumam ser reprimidas com gás lacrimogênio pela polícia.

Nesta ocasião, os manifestantes entoavam: “Que feio deve ser bater em um aposentado para poder comer” e alguns usavam uma camisa com a foto da lenda do futebol Diego Maradona e uma frase sua muito famosa: “É preciso ser muito cagão para não defender os aposentados.”

Na semana passada, o protesto contou com o apoio inédito de torcidas de futebol e derivou em um caos que o converteu no mais violento desde a posse de Milei. Os enfrentamentos entre manifestantes e policiais deixaram 45 feridos, entre eles um fotojornalista cujo estado de saúde é grave.

Por volta de 114 pessoas detidas nessa manifestação acabaram sendo liberadas por falta de provas, segundo uma juíza, que depois foi acusada pelo governo de “prevaricação” e “acobertamento”. Outros 26 continuam na prisão.

“Vim para defender os aposentados”, disse nesta quarta-feira à AFP Paola Pastorino, uma funcionária pública de 36 anos. “[Na semana passada] estive, tudo degenerou e fui embora. É inevitável ter um pouco de medo e dá raiva dizer ‘louco, não posso me manifestar’.”

Bullrich classificou o protesto da semana passada como uma tentativa de “desestabilização”. Nesta quarta, nas estações de trens, as telas reproduziam advertências das autoridades: “A polícia vai reprimir qualquer atentado contra a República.”

Muitos cartazes pediam justiça pelo fotógrafo ferido, Pablo Grillo, e a renúncia da ministra, que rejeitou abrir uma investigação pelo ocorrido.

Aposentados empobrecidos

Quase 60% dos aposentados recebem o salário-mínimo, equivalente a US$ 265 (R$ 1.500). No ano passado, o governo congelou um bônus de US$ 70 (R$ 400) a que tinham direito e reduziu a entrega gratuita de remédios, cujos preços dobraram em um ano.

Embora Milei tenha conseguido baixar a inflação de 211% em 12 meses em 2023 para 118% no ano seguinte e equilibrar as contas públicas, a economia sofreu uma contração de 1,8% em 2024 e o consumo está em queda há 14 meses.

Guillermo Benítez, um pintor aposentado de 75 anos, classificou o governo Milei como “uma máfia”. “Estão reduzindo os salários dos aposentados. Eles tiraram os remédios de nós, tiraram tudo de nós”, disse ele à AFP.

A convocação de torcidas de futebol ocorreu há algumas semanas, quando um aposentado vestindo a camisa do clube Chacarita foi atingido com gás pela polícia na marcha habitual em frente ao Congresso.