O projeto de lei sobre extradição para a China continental coloca em risco a credibilidade e a “alma” de Hong Kong, segundo a oposição, enquanto o governo afirma que o objetivo é preencher um vazio jurídico.

– O projeto de lei –

O governo deste território chinês quer que o Conselho Legislativo (LegCo, parlamento) aprove uma lei autorizando as extradições nos territórios com os quais não existe um acordo bilateral, incluindo a China continental.

De acordo com as autoridades, o texto preenche uma lacuna jurídica e impedirá que Hong Kong se converta em refúgio para certos criminosos. Segundo o governo, existem sistemas para evitar que a lei sirva para que a China persiga opositores políticos.

A líder do governo, Carrie Lam, afirma também que o texto responde a normas internacionais no que se refere a direitos humanos e que só afetará os autores de crimes graves cabíveis de penas de mais de sete anos de prisão.

– Os motivos da oposição –

Os opositores temem que a população de Hong Kong (7,3 milhões de pessoas) assim como as pessoas que transitam pelo aeroporto fiquem à mercê da justiça chinesa, nem um pouco transparente e politizada.

A oposição ao projeto reúne setores diversos da sociedade, incluindo advogados, influentes entidades jurídicas, organizações empresariais, câmaras de comércio, jornalistas, ativistas e diplomatas ocidentais.

Mas a luta contra o poder é apenas o último capítulo de algo que muitos encaram como um combate para salvar a alma de Hong Kong.

O território é há dez anos palco de convulsões políticas entre as autoridades pró-Pequim e os opositores, que denunciam o controle chinês que atenta contra suas liberdades.

– “Um país, dois sistemas” –

A China recuperou o controle do território em 1997, que até então era uma colônia britânica, após um acordo com Londres.

Hong Kong tem certa autonomia e goza de liberdades que não existem na China continental, em teoria até 2047. O regime chamado “um país, dois sistemas” garanta em princípio a liberdade de expressão e a independência da justiça.

Além disso o estado de direito e o sistema judicial herdados do Reino Unido são um fator essencial do êxito econômico deste centro financeiro mundial.

Mas os opositores acusam a China de não cumprir o acordo e querer limitar as liberdades de Hong Kong antes do prazo estabelecido.

– As consequências da lei –

O governo assegura que a lei de extradições não afetará o sistema de Hong Kong mas seus detratores acreditam que terá enormes consequências.

“A credibilidade de Hong Kong está agora em jogo”, disse à rede CNBC Tara Joseph, presidente da câmara de comércio americana, após a grande manifestação de domingo, que segundo os organizadores reuniu cerca de um milhão de pessoas.

Os opositores temem que Pequim persiga tanto a população local como aos estrangeiros em seu território, o que afetaria sua reputação como praça financeira e econômica.

Os Estados Unidos, que travam uma guerra comercial com a China, acreditam que a lei poderia “danificar o entorno econômico de Hong Kong e submeter nossos cidadãos que residem ou visitam Hong Kong ao sistema judicial caprichoso da China”.

– As próximas etapas –

A líder do governo, Carrie Lam, não deu nenhum sinal de querer retirar o projeto de lei. O voto final está previsto para 20 de junho mas o LegCo teve que adiar os debates previstos para esta quarta-feira por conta de novas manifestações.

Assim como nos protestos pró-democracia de 2014 – que não tiveram sucesso -, os manifestantes bloquearam o centro da cidade com barreiras metálicas e paralisaram a circulação.

Apesar da mobilização, o sentimento geral é que o projeto será adotado pelo parlamento, dominado pelos deputados favoráveis a Pequim.

Se for o caso, será uma vitória para Pequim, e os observadores temem que a sociedade se polarize ainda mais e leve a alguns opositores a renunciar à não violência.