23/04/2020 - 10:53
O confinamento salvou vidas, mas seu custo social e econômico é pesado, segundo alguns. No outro extremo, deixar circular o coronavírus na esperança de imunidade coletiva é apontado como cinismo, porque se traduz em mortes.
Qual é, então, a estratégia certa para enfrentar a pandemia de coronavírus?
– Confinamento: um preço a pagar
Seguindo o exemplo da China, essa medida foi aplicada por muitos países de maneira estrita – como fizeram Espanha, Itália, França e Reino Unido – ou de forma mais branda, caso de Alemanha, ou Suíça, por exemplo.
Frequentemente decidida em urgência, o confinamento não visa a pôr um fim à epidemia, mas impedir que o sistema hospitalar, em particular as unidades de terapia intensiva, fique sobrecarregado por um fluxo em massa de pacientes.
É uma questão de reduzir o contágio, limitando os contatos entre os indivíduos.
Desse ponto de vista, a contenção deu frutos: a maioria dos especialistas estima que salvou milhares de vidas.
O preço a pagar, no entanto, é uma grave recessão econômica e sérios problemas sociais e sanitários: aumento da desigualdade, violência doméstica, ansiedade, agravamento de outros problemas de saúde além da COVID-19, etc.
Essas consequências também podem levar a mortes.
Uma coluna de três especialistas no European Journal of Cancer alerta para um “aumento de mortes por câncer” nos próximos meses.
O argumento é que o diagnóstico e os tratamentos estão sendo dificultados pela implementação de medidas como o confinamento e pela prioridade dada à COVID-19 no atendimento.
Além disso, o sucesso do confinamento é uma faca de dois gumes: ao impedir que o vírus circule, também impede que se atinja o nível de imunidade coletiva que, em tese, poderia frear a doença.
Na França, um estudo do Instituto Pasteur estima que cerca de 6% da população terá sido infectada pelo coronavírus em 11 de maio, data prevista para a redução do confinamento.
Um nível insuficiente para impedir que a epidemia volte com força, pois exigiria “70% de pessoas imunizadas”, explica à AFP o principal autor do estudo, Simon Cauchemez.
A maioria dos países que escolheram o confinamento pretende aliviá-lo nas próximas semanas, mantendo medidas de distanciamento social.
Objetivo: tentar controlar a epidemia testando e isolando massivamente os doentes. E evitar voltar ao ponto de partida, ou seja, a obrigação de confinamento.
Nos Estados Unidos, protestos contra o confinamento receberam apoio do presidente Donald Trump.
– Imunidade coletiva: uma aposta (arriscada?)
A Suécia escolheu uma abordagem original: não confinou sua população, preferindo apelar à cidadania. As únicas restrições importantes são a proibição de reunir mais de 50 pessoas, a visita a lares de idosos e o fechamento de escolas e faculdades.
O governo defende sua estratégia, apesar das acusações de negligência do exterior e de alguns especialistas nacionais. Seu argumento: o benefício do confinamento drástico não é suficiente para justificar seu impacto na sociedade.
O vírus é “um tsunami” que “varre a Europa, não importa o que fizermos”, disse o epidemiologista sueco Johan Giesecke em uma entrevista ao site britânico UnHerd.
Ele considera, portanto, que seu governo segue a estratégia correta: proteger “os idosos e frágeis”, mas deixar o vírus circular entre os mais jovens, que apresentam menos riscos.
Isso permitiria atingir uma imunidade coletiva teórica, que “não é o objetivo dessa estratégia, mas sua consequência”.
O professor Giesecke rejeita a comparação com outros países escandinavos que registram menos mortes, graças a um semiconfinamento. Segundo ele, essa comparação terá de ser feita “em um ano”.
“As diferenças finais entre os países serão bastante pequenas”, prevê.
Seu raciocínio: os pacientes que estão atualmente morrendo de COVID-19 são essencialmente “idosos e frágeis” que estariam “mortos dentro de alguns meses” de qualquer maneira, por outras razões.
“A doença tira vários meses de suas vidas, não é agradável, mas comparado aos efeitos negativos do confinamento…”, pondera.
Foi essa estratégia que o Reino Unido adotou antes de voltar atrás em meados de março.
Essa reversão foi motivada por simulações da Imperial College London (ICL), que previram até 510.000 mortes na Grã-Bretanha na ausência de medidas. Trabalhos com repercussões globais que convenceram outros países a optaram pelo confinamento.
Para o professor Giesecke, essas simulações são “questionáveis”, por serem “pessimistas” demais. Além disso, ele garante que a taxa de mortalidade da COVID-19, que ainda não é conhecida com precisão, é de fato “superestimada”. Ele avalia em 0,1% dos infectados.
“É importante analisar o exemplo da Suécia e, de maneira mais geral, dos países que não estabeleceram contenção estrita, para avaliar melhor o impacto respectivo das medidas implementadas pelos diferentes países”, explica à AFP o diretor do Instituto de Saúde Global da Universidade de Genebra, Antoine Flahault.
– Método coreano
Testes em massa, casos positivos postos em quarentena, “rastreamento” das pessoas com quem estiveram em contato: a estratégia usada pela Coreia do Sul e por outros países asiáticos é citada como exemplo.
É isso que os países que estão saindo do confinamento desejam implementar.
Mas esse modelo pressupõe “grande quantidade de testes, de máscaras, ferramentas digitais e enorme quantidade de pessoal” para garantir a localização de pacientes em potencial, ressalta a epidemiologista francesa Dominique Costagliola, em entrevista à AFP.
Além disso, essa estratégia não é uma garantia de longo prazo.
Depois de evitar o confinamento pela primeira vez, graças a uma política semelhante à da Coreia do Sul, Singapura está enfrentando hoje uma segunda onda epidêmica. Como consequência, o país teve de adotar o confinamento, estendido até junho.
– Combinação de estratégias
Nos próximos meses, a melhor estratégia pode ser uma combinação de várias medidas.
De acordo com um estudo americano publicado recentemente na revista Science, provavelmente será necessário alternar entre períodos de confinamento e de abertura até 2022, o tempo para descobrir tratamentos eficazes, ou uma vacina (sem garantia, nesta fase, de que isso seja possível).
Os períodos de abertura poderiam servir para a famosa imunidade coletiva, conciliando dois imperativos.
Por um lado, a busca por “65% a 70% de imunidade”. Por outro, o fato de “os serviços de saúde ficarem saturados” quando “a circulação do vírus afeta cerca de 10% da população”, explica o professor francês de virologia Bruno Lina à AFPTV.
“Portanto, essa imunização deve ser feita, o mais rápido possível, mas não muito rapidamente”, completa.
Para isso, devemos contar com “jovens adultos até 50 anos em que a taxa de formas muito graves é relativamente baixa”.
“Se este grupo ficar imunizado, acabará protegendo toda população”, espera Lina, ressaltando que é necessário, ao mesmo tempo, “proteger os mais frágeis”.
Essa busca por imunidade coletiva depende, porém, de uma grande incógnita: ainda não se sabe qual imunidade é adquirida quando uma pessoa é infectada com o coronavírus e quanto tempo ela dura.