11/05/2020 - 14:49
Trata-se de um grande paradoxo do confinamento em massa: contém a propagação do novo coronavírus, mas pode indiretamente ajudar outro vírus: o HIV.
A prioridade absoluta dada ao COVID-19 teve o efeito colateral de enfraquecer a estrutura de prevenção na qual se sustenta o combate à Aids.
Travis Sánchez, epidemiologista da Universidade Emory, fez entrevistas on-line com 1.000 homens homossexuais no início de abril, e metade deles relatou uma diminuição no número de parceiros sexuais e no uso de aplicativos de relacionamento.
Entretanto, Sánchez aponta para outras informações perturbadoras: um quarto disse ter tido problemas para realizar testes de detecção devido ao fechamento de milhares de locais onde eles são feitos. Aqueles que continuam a ter encontros sexuais, portanto, desconhecem seu estado, uma potencial bomba-relógio.
“É muito provável que comportamentos de risco sejam retomados antes que os serviços de prevenção sejam totalmente reabertos”, alerta o pesquisador. “Essa combinação pode levar a mais infecções por HIV”.
O impacto da pandemia de coronavírus sobre o HIV não será conhecido até o ano que vem, quando os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) divulgarem os números de contágio de 2020.
Vários especialistas e profissionais de saúde pública temem um relaxamento, um ano depois que os Estados Unidos estabeleceram a meta de reduzir o número de novas infecções em 75% até 2025.
Em Washington, cidade muito atingida pelo HIV, a clínica Whitman Walker teve que parar de receber pessoas para serem testadas para esse vírus e outras doenças sexualmente transmissíveis (DST): sífilis, gonorréia, clamídia.
Antes disso, cerca de 50 pessoas por dia faziam o teste, incluindo muitos homossessuais que tinham a rotina de fazer isso a cada três meses.
“Todas essas pessoas não estão mais sendo examinadas”, diz Amanda Cary, uma enfermeira especialista que continua a cuidar de pacientes sintomáticos, apenas com hora marcada. “Tenho certeza de que haverá um aumento nas doenças sexualmente transmissíveis”.
O CDC disse à AFP que espera uma queda a curto prazo nos diagnósticos de DST, mas “um aumento a longo prazo depois que as restrições forem removidas e mais testes forem realizados”.
No que diz respeito ao HIV, o fechamento dos locais de detecção “poderia causar mais infecções” a longo prazo.
– Tudo pode mudar –
Em San Francisco, o pesquisador médico Matthew Spinelli está preocupado com os sem-teto e com aqueles que não têm mais crédito telefônico ou de Internet para teleconsultas.
“As pessoas têm medo de ir ao hospital agora, isso me preocupa”, diz o médico, que trabalha no grande hospital público local. Sua unidade também monitora 3.000 pessoas com HIV.
Ele teme que, no caos da pandemia, alguns possam não mais ir à farmácia ou não fazer mais o tratamento retroviral todos os dias, o que aumentaria suas cargas virais e as tornaria contagiosas. “Receio que a saúde psicológica (dessas pessoas) se deteriore na situação atual ou que seu vício em drogas piore”.
Nos Estados Unidos, o tratamento preventivo PrEP é aplicado, o que permite que quase 100% evitem a contaminação, mas, segundo Spinelli, alguns deixaram de tomá-lo durante o confinamento.
Eles retomarão mais tarde? “Antecipo que, em última análise, a epidemia do HIV irá piorar”, prevê.
No entanto, forçando os profissionais a improvisar soluções, a pandemia também mudará, neste caso por boas práticas de prevenção.
A telemedicina se espalhará. Os locais de fornecimento de seringas já entregam mais seringas de cada vez ou até as enviam por correio.
O teste de HIV em casa, que existe há anos, mas tem sido subutilizado, será mais usado, diz Stephen Lee, diretor da Nastad, uma associação de autoridades de saúde pública especializada em HIV.
O CDC os está promovendo e a Flórida e o Tennessee começam a flexibilizar sua aplicação, disse à AFP. “A pandemia nos mostrou que podemos e devemos fazer isso”.