13/10/2024 - 7:03
Uma gargalhada bastante familiar começou a chamar a atenção do elenco da comédia Toc Toc nos primeiros minutos de uma sessão no Teatro Cultura Artística em 2008. A peça do francês Laurent Baffie, sob a direção de Alexandre Reinecke, movimentava as bilheterias e arrancava risadas que ecoavam na sala sempre lotada desde a estreia, em maio. Mas nenhuma era igual àquela e, em seguida, o público reagia freneticamente às manifestações do entusiasmado espectador que o elenco do palco – formado por Flávia Garrafa, Márcia Cabrita (1964-2017), Rosane Gofman, Carolina Parra, Marat Descartes, Riba Carlovich e Sergio Guizé – mal enxergava.
Era o apresentador Silvio Santos (1930-2024), que ocupava uma poltrona na terceira fileira e chegou ao teatro com as luzes se apagando sem avisar a produção. “À medida que as pessoas perceberam que era o Silvio, elas riam fora de hora, a gente perdeu o ritmo das piadas e foi uma loucura”, lembra Carlovich, que, no fim da sessão, juntos dos colegas, recebeu os comprimentos do apresentador no camarim.
Grande sucesso, Toc Toc percorreu vários teatros da cidade, cumpriu temporada do Rio de Janeiro e ficou em cartaz até 2014, aplaudida por uma legião de fãs que superou 1 milhão de pagantes. Mais de uma década depois, a peça sobre um grupo de pacientes que sofre de transtorno obsessivo compulsivo (TOC) volta à cena em uma nova montagem, dirigida pelo mesmo Reinecke, que fica em cartaz até dezembro no Teatro Procópio Ferreira, em São Paulo.
Riba Carlovich é o único intérprete da ficha técnica original e, ao seu lado, estão os atores André Gonçalves e Miguel Menezzes e as atrizes Claudia Ohana, Danielle Winits, Carolina Stofella e Maria Helena Chira, que substituiu Flávia Garrafa entre 2011 e 2012. “Naquela época, não era tão forte a patrulha do politicamente correto, mas esta é uma questão que não me preocupa porque sempre fomos cuidadosos com a abordagem e os personagens”, diz Carlovich. “É o tipo de comédia que diverte por causa das situações e não explora a caricatura.”
Toc Toc é ambientada na sala de espera de um consultório. Por lá, seis pacientes são obrigados a estreitar uma convivência indesejada devido ao inexplicável atraso do médico e encontram formas inusitadas para passar o tempo.
Branca (papel de Winits) tem obsessão por limpeza, Maria (vivida por Ohana) é uma fanática religiosa preocupada se esqueceu do gás aberto ou trancou a porta de casa e Lili (interpretada por Chira) irrita a todos com a mania de repetir tudo que ouve. Vicente (representado por Gonçalves) não consegue parar de fazer contar, enquanto Bob (defendido por Menezzes) é um fanático por simetria e Fred (Carlovich) sofre da síndrome de Tourette e dispara palavrões quando fica tenso. Carolina Stofella é a secretária que tenta controlar o nervosismo do grupo diante do imprevisto.
Claudia Ohana, que não viu a montagem original e conhecia o texto da versão cinematográfica, dirigida em 2017 pelo espanhol Vicente Villanueva, confessa que há muito tempo não se sentia tão desafiada. “Eu nunca participei de uma grande comédia, mesmo no cinema ou na televisão, e faço uma personagem totalmente diferente de mim e das pessoas com quem convivo, o que é bem arriscado”, confessa a atriz, divertindo-se.
Para a composição da beata Maria, Ohana pesquisou detalhes da personalidade de quem sofre com a mania de verificação e encontrou um dado que a surpreendeu. “Pessoas assim costumam ter recorrentes pensamentos obscenos e, na minha cabeça, é por isso que a Maria se entregou a essa cegueira religiosa.”
PROVOCAÇÃO
Como diretor, Alexandre Reinecke reconhece que os tempos são outros e o comportamento mudou muito nos últimos 15 anos, principalmente devido ao avanço da tecnologia e à traumática pandemia, que pode ter agravado transtornos e distúrbios mentais. Para ele, entretanto, a função do teatro é servir de estímulo para cutucar as questões da sociedade. “Com todo o cuidado, a gente levanta um alerta: ‘será que essa sua mania não pode virar um TOC?’”, provoca o encenador. “Temos a consciência de que mexemos em um tema sério e chegamos a fazer uma apresentação para a Astoc (Associação Solidária do TOC), conversando com médicos, psicólogos e pacientes.”
Reinecke acredita que os anos podem ter feito muito bem e ressignificado Toc Toc. “A comédia passou por uma evolução e é mais valorizada pelos espectadores”, diz.
O diretor justifica essa mudança de mentalidade à consagração de novos talentos como Fabio Porchat e Gregorio Duvivier, da turma do Porta dos Fundos, das séries e espetáculos criados por Bruno Mazzeo e até a leva de humoristas que formou uma nova plateia de teatro com o stand up comedy.
“Essa geração colocou a comédia em outro lugar de questionamento e reflexão da realidade”, afirma. “Por muito tempo, a comédia foi vista como um gênero menor e isso era um absurdo, porque é muito mais difícil de fazer rir e o ator cômico, ao contrário do dramático, não tem tempo para as pausas que fazem com que ele pareça mais inteligente.”
TOC TOC
Teatro Procópio Ferreira.
Rua Augusta, 2823, Cerqueira César. Sexta e sábado, 21h; domingo, 18h. R$ 120. Até 16/12
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.