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Um dos maiores símbolos do Rio de Janeiro está à beira da extinção. Os botos-cinza, presentes no brasão da cidade, tornaram-se uma preciosidade incomum no meio das águas poluídas da Baía da Guanabara. Nos anos 1980, 400 animais viviam no local. Hoje, somente 25 resistem na sujeira. Entre os sobreviventes, há só quatro filhotes que persistem na luta, ainda que com pouquíssimas chances de vida. O motivo do massacre não é único. Há uma série de fatores que influenciam a alta mortalidade dos animais que nascem, mas em sua grande maioria não chegam nem na fase adulta. A espécie está entre os animais mais contaminados do mundo.

 

“A perda da qualidade ambiental influencia muito essa população de botos, porque modifica o tipo de alimentação.” José Laílson Brito, coordenador do Projeto Maqua

Até chegar no nível da população dizimada, os botos foram capturados de forma acidental (quando a pesca comercial traz para a superfície espécimes que não deveriam ter saído) por navios pesqueiros, passaram a viver em um local com péssima qualidade ambiental e tiveram o organismo contaminado por óleos poluentes, como o chamado ascarel. Este produto tóxico é uma mistura do conhecido óleo de cozinha e de hidrocarbonetos derivados do petróleo. Pelo alto nível de toxicidade, o produto foi abolido pela Convenção de Estocolmo, em 2001, no qual 152 países assinaram o documento a fim de brecar os impactos ambientais. Mas a substância, infelizmente, está presente na vida marinha da Baía de Guanabara e os botos-cinza estão fadados a viver com a contaminação, que afeta o organismo de modo indireto. Ou seja, a imunidade dos animais é abalada e, consequentemente, eles ficam mais sensíveis a doenças, como, por exemplo, pneumonia. “O ascarel não mata esses animais intoxicados, mata sem dar sinais”, explica José Laílson Brito, coordenador do Projeto Maqua, que há três décadas estuda os botos-cinza.

Filhotes vulneráveis

Além de deixar a espécie mais suscetível às enfermidades, o produto tóxico também influencia a vida – e a morte – de filhotes saudáveis. Os chamados contaminantes se instalam no tecido adiposo dos botos-cinza e quanto mais tempo os animais vivem, maior a quantidade de poluentes em células gordurosas.

Como as fêmeas da espécie têm o seu primeiro filhote entre os seis e sete anos, o nível de poluição está altíssimo depois do nascimento do bebê. E é durante a amamentação que todos os anos de acúmulo de poluentes são passados para o recém-nascido. Estima-se que de 80 a 90% de toda a carga tóxica adquirida ao longo da vida da mãe são repassadas para o filhote e, por isso, a primeira cria já nasce praticamente morta.

Diferente do que se imaginava nos anos 1980, os botos de Guanabara moram na região. Não são transeuntes e nem estão de passagem. Podem sair durante o dia, mas toda noite retornam para a região e ali permanecem, em um lugar poluído e com péssima qualidade ambiental. O esgoto da cidade chega às águas marinhas impactando diretamente o ecossistema e influenciando a alimentação dos moradores. “A perda da qualidade ambiental influencia muito essa população, porque modifica o tipo de alimentação. Não é que os botos vão passar fome, o que muda é a qualidade de vida”, completa Brito.

Apesar dos pesares, a Baía de Guanabara continua viva, poluída, cambaleante, mas, ainda assim, se mantém como um importante ecossistema marinho. As marés trocam cotidianamente as águas e tornam o local um excelente campo de reciclagem. A diversidade marinha segue gigantesca, mas desbalanceada: são muitas espécimes com uma população muito pequena. O problema é que cada vez mais animais estão sucumbindo à sujeira das águas. É preciso reagir rápido para impedir uma extinção em massa.