'Conclave': quando a eleição papal vira thriller político

'Conclave': quando a eleição papal vira thriller político

"'Conclave'Com timing quase sobrenatural, filme de Edward Berger antecipou o processo pela sucessão de Francisco. Graças também ao romance de Robert Harris, a escolha do novo representante de Deus na Terra é sensação cultural pop.Em seguida à morte do papa Francisco, o Vaticano tem a tarefa de eleger o novo líder da Igreja Católica. A partir de 7 de maio de 2025, cerca de 120 cardeais de todo o mundo se reunirão em conclave (do latim "com chave") na Capela Sistina – a votação secreta e a portas fechadas para definir o próximo representante de Deus na Terra.

Ao longo dos séculos, essa seleção entre numerosos candidatos, vindos de históricos e alas religiosas diversas, tem sido objeto de muita especulação, intriga política e também de interpretações artísticas. Como os cardeais eleitores fazem voto de silêncio, só o próprio pontífice pode falar publicamente das confabulações de bastidores.

Em suas memórias publicadas em 2024, o papa recém-falecido conta sobre as maquinações por trás da escolha do sucessor para João Paulo 2º, em 2005: alguns cardeais não queriam Joseph Ratzinger, futuro Bento 16, e propuseram Jorge Bergoglio como candidato alternativo, a fim de desviar votos. Porém o próprio argentino rompeu as fileiras e votou no prelado alemão.

Eleição sagrada como luta de poder profana

Intrigado com os potenciais jogos de poder que movimentam as eleições papais, o autor inglês Robert Harris trouxe o enigmático processo à vida em 2016, no best-seller Conclave (lançado em português pela editora Alfaguara em 2020). "Entende-se que Deus move os cardeais eleitores para escolherem o papa, mas também há bastante política entre as reuniões na Capela Sistina", comentou numa entrevista à editora Penguin, por ocasião do lançamento.

O livro se concentra no decano do Colégio Cardinalício que elege o pontífice, e em seu papel nas negociações de bastidores, agendas ocultas e vazamentos, até se alcançar a maioria final de dois terços em torno de um candidato-surpresa.

"Gosto desse senso de isolamento de estar trancado, e adoro a escala de tempo breve", explicou o autor, referindo-se às 72 horas em que se desenrola seu romance. "Para mim, parecia praticamente a história perfeita, e me surpreende que ninguém tenha feito antes."

Harris também se inspirou nos rituais meticulosamente planejados que evolvem à medida que os votos são tomados e retomados, e então incinerados. Para ele, que se define como um "viciado político", o conclave é a "eleição suprema": a cerimônia sagrada para designar o líder espiritual de cerca de 1,3 bilhões de seres humanos assume um caráter igualmente "profano" quando facções opostas defendem as respectivas causas.

Conclave nas telas grandes: premiação e polêmica

Num feito de timing quase sobrenatural, o thriller papal foi adaptado para o cinema em 2024, dirigido por Edward Berger. Ralph Fiennes encarna o decano do Colégio Cardinalício, enquanto Isabella Rossellini é uma venerável freira que também deve ajudar na decisão. Pouco mais de dois meses antes da morte de Francisco, em 21 de abril de 2025, foi consagrado Melhor Filme do britânico Bafta Film Awards, e uma semana mais tarde recebia o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado, de um total de oito indicações.

A crise de fé na Igreja, às vésperas do primeiro conclave desde 2013, também ajudou a transformar o drama vaticano num fenômeno de cultura popular, aclamado em peso pela crítica. Porém a forma de representar o conclave também suscitou condenação veemente.

Num artigo para o website independente Missio Dei, intitulado "Por que nós, católicos, não devemos apoiar o filme Conclave", a professora de teologia Christina M. Sorrentino denunciou a "representação falsa do processo de eleição papal", pois "dramatiza conflitos internos e apresenta uma Igreja politicamente motivada".

"O filme confunde as plateias quanto ao verdadeiro espírito que guia a eleição do novo papa pelo Colégio de Cardeais, que é o Espírito Santo", para enfocar "escândalos e lutas de poder", que acabam por "perpetuar estereótipos negativos sobre os líderes da Igreja", criticou.

"Valores da Igreja não são necessariamente os de Musk, Trump, AfD"

Por sua vez, Robert Harris – cuja história original se manteve como arcabouço do filme – tem expressado respeito pelo ritual da eleição no Vaticano. Semanas antes da morte de Francisco, sua hospitalização já despertara especulações sobre um eventual sucessor, mas o autor inglês recusou todos os pedidos para comentar um futuro conclave.

À agência de notícias Associated Press, em janeiro, disse considerar "de um mau gosto extremo" qualquer impressão de que estivesse tentando obter "algum tipo de publicidade" para seu livro. Indagado como a política poderia influenciar o conclave – em que pela primeira vez se considerará a perspectiva de um pontífice africano – o autor nascido em 1957 disse esperar que a moral cristã prevaleça.

"Quem sabe o que o futuro trará, mas o propósito da Igreja é impor certos valores eternos, valores cristãos", comentou em abril, numa entrevista ao jornal The Boston Globe. "Estes não são necessariamente os mesmos que os de Elon Musk e Donald Trump e a [legenda de ultradireita] AfD, na Alemanha. Vamos ver."