A desigualdade no Brasil é uma das piores do mundo. Os 10% mais ricos detêm 41,9% da renda total. Já a parcela dos 1% mais abastados concentra 28,3% da riqueza. É a segunda maior concentração de renda do mundo nesse segmento da população, um índice vergonhoso superado apenas pelo Catar, famoso pelos magnatas do petróleo. Esses dados chocantes foram reafirmados pela ONU em seu relatório mais recente sobre o desenvolvimento humano. O Brasil caiu para o 79º lugar no ranking mundial, uma posição abaixo do último levantamento. É apenas o 4º melhor colocado na América do Sul, com índice igual ao da Colômbia. Divulgado na segunda-feira 9, o relatório mede o bem-estar da população de 189 países por meio de indicadores de saúde (expectativa de vida ao nascer), educação (anos esperados de escolaridade média e média de anos de estudo da população adulta) e renda bruta per capita. A queda ocorreu mesmo que o País tenha avançado um milésimo no índice, que vai de 0 a 1. Conseguiu a nota 0,761.

O estudo confirma que os indicadores ligados à qualidade da educação estão atualmente estagnados. Houve uma leve melhora na longevidade, que atingiu 75,7 anos, e na renda bruta per capita (US$ 14,07 mil), que voltou a crescer em 2018. Mesmo assim, o brasileiro ainda tem uma renda inferior à registrada em 2010. Mas há outra revelação do estudo bem mais preocupante, que coloca o País na rabeira da comunidade internacional. Na nota ajustada por desigualdade, o Brasil despenca 23 lugares, na maior queda no ranking. Fica na 102ª posição, e sai do grupo de alto desenvolvimento humano — passa a integrar o grupo médio.

Esse último critério é crucial e está ganhando cada vez mais atenção do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), responsável pelo estudo. “Esse ano a novidade é que queremos abrir um diálogo adicional, precisamos avançar em capacidades avançadas. Países muito desiguais têm um problema em impulsionar o desenvolvimento a partir de parâmetros mais competitivos, com mão de obra mais qualificada”, diz Betina Barbosa, coordenadora da Unidade de Desenvolvimento Humano do Pnud Brasil.

A concentração é um problema histórico. A forma mais eficiente de enfrentá-la, na opinião do sociólogo Pedro Ferreira de Souza, é por meio de reformas. Autor de “Uma história da desigualdade” (ed. Hucitec), obra que acabou de ser escolhida Livro do Ano pelo prêmio Jabuti, Ferreira considera que uma mudança tributária, com aumento da progressividade no imposto de renda, junto com a menor carga sobre o consumo, poderia ser uma via mais rápida para essa transformação. Mais do que a educação.

O sociólogo compilou dados de 1926 a 2013. “No longo prazo, não houve uma quebra nesse padrão de desigualdade”, afirma. “A concentração variou, mas sempre foi alta, e continua assim até hoje.” Até em um período mais recente, nos anos 2000, esse padrão persistiu. “Em termos de desigualdade, é como se tivesse havido uma redistribuição. Houve uma melhora, mas não uma mudança de padrão, nem uma melhora tão grande quanto se imaginava.” Uma das surpresas do estudo foi a correlação entre concentração de renda e períodos autoritários, como 1937 e 1964. No caso do regime militar, a desigualdade aumentou já nos anos anteriores ao milagre econômico.

A necessidade de se enfrentar a questão da concentração encontra eco cada vez maior entre os economistas. Uma das defensoras dessa tese é Monica De Bolle, diretora de estudos-latino americanos e mercados emergentes da universidade Johns Hopkins. Para ela, esse é um problema central da agenda do atual ministro da Economia, Paulo Guedes. “Falta o reconhecimento de que o problema da desigualdade está no cerne dos obstáculos para destravar a economia”, diz.

“Nos anos 2000, houve uma redistribuição, mas não mudança no padrão de concentração” Pedro Ferreira, sociólogo

Tecnologia e ciência

Apesar dos dados negativos, o relatório da ONU, quando se avalia o Brasil no contexto da América Latina, traz notícias positivas. Segundo a coordenadora do Pnud, a pauta de exportações nacional é mais diversificada que a dos vizinhos. Além disso, os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) em relação ao PIB superam os de toda a região, sendo comparáveis aos do Canadá. De acordo com ela, esse avanço é fundamental para o aumento da produtividade e a expansão de setores mais dinâmicos e competitivos, rumo a uma economia mais avançada. Aí, há mais um alerta na trajetória conturbada do País. A ciência e a tecnologia, dependentes da gestão universitária constante e de longo prazo, estão entre as áreas mais afetadas pelo governo Bolsonaro, que ameaça desmontar a estrutura de pesquisa construída penosamente ao longo das décadas. Nesse caso, o País não registra apenas males que se perpetuam. Às vezes, parece também não aprender com os seus erros.