A Prefeitura de São Paulo está envolvida, desde 2023, em uma série de denúncias sobre superfaturamentos em contratos para obras emergenciais sem licitação, compras de fraldas geriátricas, de bonecas de pano para ação antirracista e de garrafas de água para o Carnaval de rua de 2024.

O caso mais recente foi revelado pelo “TAB”, do UOL, no qual aponta que pelo menos 223 dos 307 contratos realizados pela prefeitura para obras emergenciais contêm indícios de combinação de preços entre as empresas concorrentes. Os trabalhos são para contenção de encostas, intervenções em margens de rios, córregos e galerias pluviais, recuperação de passarelas, pontes ou viadutos.

Em ao menos 171 contratos apenas o vencedor apresentou descontos relevantes para as obras, as demais empresas concorrentes não ofereceram descontos ou recusaram o convite para participar da disputa. Em outros 52 contratos, as empresas apresentaram descontos irrisórios.

Os valores com indícios de combinação somam R$ 4,3 bilhões, ou 87% do total contratado de maneira emergencial.

As empresas que mais ganharam contratos para obras emergenciais foram as três empreiteiras controladas pela mesma família. São elas: B&B Engenharia, BBC Construções e Abcon Engenharia. Elas assinaram ao menos 38 acordos que, somados, chegam ao valor de R$ 751,1 milhões. Juntas, as empresas foram convidadas para participar de 87 das 307 obras contratadas.

Garrafas de água

A gestão de Ricardo Nunes (MDB) passou a ser acusada de superfaturamento na compra de água para o Carnaval de rua após a prefeitura divulgar no Diário Oficial do Município que gastou R$ 1. 391.040 em 252 mil garrafas (entre 500ml e 520ml), ou seja, R$ 5,52 por unidade.

Em uma pesquisa rápida por meio da internet, é possível verificar que garrafas de água de 510ml são vendidas por R$ 0,93 ou R$ 2,25. A garrafa adquirida pela prefeitura custou quase 500% mais do que a de R$ 0,93, por exemplo.

Procurada pela ISTOÉ, a prefeitura informou por meio de nota que em outubro de 2023 realizou uma pesquisa de mercado e aferiu o valor referencial unitário de R$ 2,92. Depois, no dia 27 de novembro de 2023, realizou uma licitação, mas nenhuma empresa demonstrou interesse.

“Em dezembro de 2023, a pesquisa de mercado foi refeita e dessa consulta apurou-se o valor referencial unitário de R$ 5,53. Em 9 de janeiro de 2024, foi aberto o novo certame que resultou na contratação da empresa e o valor unitário da água sagrou-se em R$ 5,52”, explicou prefeitura, ao ressaltar que a nova licitação que vingou atendeu a todos os requisitos da lei e a empresa contratada ofereceu o menor preço.

A transação foi publicada no Diário Oficial da Cidade de São Paulo no dia 31 de janeiro de 2024. O processo e o desfecho da contratação foram autorizados e assinados pelo chefe de gabinete da Secretaria Municipal das Subprefeituras, Rode Felipe Bezerra.

Além da água, o contrato incluiu 66.206 kits de lanche por R$ 1,45 milhão.

Fraldas geriátricas

Em setembro de 2023, o portal “The Intercept Brasil” divulgou que, desde abril do mesmo ano, a Prefeitura estava pagando quase 57% a mais do valor inicialmente acordado com a empresa Certame, fornecedora de fraldas geriátricas.

A empresa havia ganhado uma licitação em 2022 por ter oferecido o menor preço para fornecer mais de 15 milhões de fraldas por ano à prefeitura. O valor unitário era de R$ 1,314, porém, em 2023, a gestão municipal realizou um adiantamento no contrato e aumentou o valor para R$ 2,06, o que representou um prejuízo de mais de R$ 20 milhões aos cofres públicos.

O caso foi denunciado ao MPSP (Ministério Público de São Paulo) e ao TCM (Tribunal de Contas do Município). Então descobriu-se que uma das cláusulas do contrato que justificaria o aumento estava sob sigilo.

Por meio de nota enviada à ISTOÉ, a SMS (Secretaria Municipal de Saúde) informou que todos os apontamentos foram sanados ao TCM e aprovados pelo órgão para prosseguir com a contratação. “As fraldas adquiridas correspondem às condições exigidas nos editais do processo licitatório. O aditamento contratual é referente a um reequilíbrio econômico-financeiro no valor inicial do contrato, previsto na Lei Federal nº 8.666/93, bem como na ata de registro de preços, comprovada a necessidade por meio de documentação e planilha de composição de custos. Previamente, foi realizada pesquisa de preços que demonstrou que os valores praticados no contrato se encontravam defasados perante os valores encontrados no mercado. Mesmo após a repactuação, os preços realinhados demonstraram vantajosidade”, acrescentou.

Bonecas de pano

No dia 6 de março deste ano, o jornal “Folha de S.Paulo” revelou que a prefeitura teria realizado a compra de 128 mil bonecas de pano para uma ação antirracista sem licitação. Os itens custaram R$ 17,2 milhões aos cofres públicos.

Cada uma das cerca de 2.500 unidades educacionais da capital paulista recebeu um kit com oito bonecos, sendo um menino e uma menina bolivianos, um bebê negro, uma boneca de turbante, uma com tranças e uma com pompom. Os itens foram feitos pela Ateliê Quero Quero e custaram R$ 1.080, o que representa R$ 135 por unidade.

Questionada pela ISTOÉ, a SME (Secretaria Municipal de Educação) informou que a contratação seguiu os trâmites previstos em lei. Ainda destacou que cotou preços e a empresa Brasil Air, uma das consultadas, cobrava R$ 118,50 por boneco. “Portanto, o preço pago à época, pela prefeitura – R$ 135,00 por boneca -, está encaixado dentro da margem de correções inflacionárias do período. A propósito, o valor hoje no catálogo da empresa Quero Quero praticado no mercado é de mais de R$ 158,00, fora o frete. Portanto, acima do preço pago pela Prefeitura de São Paulo. Além disso, o preço pago à época, pela prefeitura, à empresa Quero Quero é compatível ao valor cobrado por ela a clientes privados e públicos no País inteiro”, completou.

O que diz o TCM e a prefeitura?

Indagado sobre essas denúncias de superfaturamento, o TCM disse ao portal que analisa a questão de suposto conluio em contratos firmados para obras emergenciais. “No momento, sob a relatoria do Conselheiro Domingos Dissei, a Corte colhe os posicionamentos de suas respectivas áreas técnicas”, afirmou.

Procurada pela ISTOÉ para comentar sobre as obras emergenciais, as compras de fraldas geriátricas e das bonecas de pano, a Prefeitura de São Paulo não respondeu até o momento. O espaço permanece aberto.