O governo aposta na compra direta, pelo Banco Central, das carteiras de crédito e títulos das empresas como forma de fazer com que recursos liberados pelo governo cheguem efetivamente às mãos dos empresários. No sábado, 4, o ministro da Economia, Paulo Guedes, reclamou que os recursos liberados aos bancos para ampliar o crédito no País estão “empoçados no sistema financeiro”. Ou seja, mesmo com medidas de estímulo, como a redução do depósito compulsório (recursos que as instituições financeiras têm de manter no Banco Central), o dinheiro não está chegando a quem busca.

A compra direta de carteiras ou títulos já é utilizada por outros bancos centrais do mundo, como o Federal Reserve (Fed), dos Estados Unidos. Esse instrumento permite ao BC injetar recursos no mercado para ajudar as empresas conseguirem dinheiro, sem precisar dos bancos como intermediários. Para que isso aconteça, porém, é necessária a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que já está no Congresso.

A interlocutores, Guedes tem dito que os bancos ficam “segurando a grana” porque não querem correr riscos – uma prática “desde sempre”. A maior queixa é que, se ficar o dinheiro parado nos bancos, não vai chegar nos “pequenos”. Como o BC só pode até agora fazer operações diretas com as instituições financeiras, os bancos acabam com um poder enorme do Brasil. Com a aprovação da medida, o BC deixaria de depender do sistema bancário e poderia negociar uma carteira de crédito de uma varejista, por exemplo.

Guedes e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, começaram a discutir a proposta depois que ficou claro que a liberação dos compulsórios não surtiu efeito. Guedes cobrou de Campos Neto uma reação ao “empoçamento”. Foi aí que surgiu a proposta do financiamento da folha de salários via BNDES, e a PEC começou a ser pensada.

A linha de financiamento da folha de salário, já divulgada, consiste em liberar R$ 40 bilhões a pequenas e médias empresas para pagar até dois salários mínimos (R$ 2.090) para cada funcionário. Os bancos privados (Itaú Unibanco, Bradesco e Santander) vão pegar o dinheiro do BNDES para pagar diretamente o funcionário, sem passar pela conta da empresa.

O novo arsenal para o BC foi incluso, a pedido da equipe econômica, na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do “orçamento de guerra”, que prevê retirar algumas amarras de regras fiscais para facilitar os gastos públicos neste momento de pandemia. A emenda já foi aprovada em dois turnos na Câmara na última sexta-feira, 3, e aguarda duas votações do Senado (onde precisa do apoio de, pelo menos, 49 de 81 senadores). Pela PEC, o montante da cada operação de compra terá de ser autorizado pelo Ministério da Economia.

Para o ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, o dinheiro “morre” nos bancos, que preferem investir em títulos públicos. Ele defende uma forma de “punição” do BC aos bancos que não emprestarem e alongarem os prazos. “Os bancos não querem dar dinheiro novo, nem querem alongar. Querem comprar só títulos públicos”, diz.

Segundo ele, se os bancos não fizerem isso, haverá uma quebradeira geral. “As empresas não vão pagar, as pessoas não vão pagar e vai ser uma quebradeira geral. Os bancos também vão quebrar na frente.”

Na prática, com o risco de quebradeira generalizada e disparada dos calotes, os bancos endureceram as concessões – justamente quando as empresas mais precisam para honrar os pagamentos a funcionários e fornecedores. A liberação de recursos aos bancos têm dois objetivos principais: garantir que as instituições não quebrem e manter a disponibilidade de dinheiro para a concessão de empréstimos a empresas e famílias.

Procurada para comentar a declaração de Guedes sobre o empoçamento de recursos nas instituições financeiras, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) não se pronunciou até a publicação desta reportagem.

Tesouro

O Ministério da Economia trabalha na elaboração de uma nova fórmula para destravar o crédito dos bancos para as empresas brasileiras. A ideia é usar fundos de aval de instituições como o BNDES e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), além do próprio Tesouro, para garantir os empréstimos.

Até o momento, o BC anunciou a injeção de R$ 1,2 trilhão no sistema financeiro. Parte dos recursos ainda depende de regulamentação para começar, de fato, a chegar às instituições financeiras, mas o BC tem repetido que o sistema já está líquido e que mais medidas estão a caminho.

A intenção é utilizar fundos de aval – como os do Sebrae e do BNDES – para assumir parte do risco de calote. “Teríamos de fazer uma corrente da seguinte maneira: os fundos de aval avalizam a operação para substituir a garantia real que os pequenos (empresários) não têm”, disse o assessor especial do Ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos.

Pelo que está em estudo haveria uma “parada de perdas” (stop loss), limitando a exposição do fundo de aval ao risco. A parcela de risco que o fundo não conseguir assumir ficaria sob a responsabilidade do Tesouro Nacional – no limite, dinheiro do contribuinte.

Divisão

Uma das medidas já anunciadas traz dinâmica semelhante. O governo decidiu injetar R$ 40 bilhões no mercado de crédito para concessão de empréstimos a baixo custo (3,75% ao ano) para a folha de pagamento das empresas, por um período de dois meses. Deste total, 85% são recursos do Tesouro Nacional (R$ 34 bilhões) e 15% dos bancos (R$ 6 bilhões).

Agora o governo desenha também a entrada dos fundos de aval nas operações. “É uma questão de se fazer o cálculo e se fazer a conta do risco assumido e da forma da divisão de risco”, afirmou Afif no sábado a empresários do varejo. “Mas tem de ter um sistema central para avalizar as operações para destravar o sistema de crédito.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.