Ele nada, de braçadas, naquele ponto exato em que as águas do sagrado universal se transformam em pororoca, ao se encontrar com as águas da paixão. Essa poderia ser uma das explicações para o compositor, instrumentista e cantor fluminense de São Gonçalo Altay Veloso ter uma produção musical tão rica e diferenciada, mas extremamente popular. Além, é claro, de um talento ímpar, grande criatividade e afinco nas pesquisas, na observação do cotidiano e do comportamento humano. Ele se apresenta no Bar Brahma de São Paulo, no próximo dia 28 de novembro.

Seus sucessos, nas vozes de uma boa quantidade de artistas populares de várias tendências musicais e na dele próprio, se multiplicam. Porém, Altay Veloso é lembrado especialmente pela ópera Alabê de Jerusalém, montada com um elenco de 74 artistas, acompanhados por uma orquestra sinfônica composta por 86 músicos, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, no Citibank Hall e no Viva Rio. A apresentação do Municipal carioca rendeu um DVD duplo, com 32 músicas – duração de 2 horas e 10 minutos e mais 23 minutos de making off –, juntamente com algumas gravações em estúdios e com a participação de 42 cantores, entre eles Bibi Ferreira, Lucinha Lins, Leny Andrade, Elba Ramalho, Alcione, Lenine, Jorge Vercillo, Fafá de Belém, Ivan Lins, Peri Ribeiro e o próprio Altay. Antes disso, no Canecão, foi realizada em forma de concerto com 27 cantores e cantoras. Depois, seguiu-se uma versão em forma de monólogo, que ele apresentou em temporada nos palcos dos teatros Clara Nunes, Municipal de Niterói e Rival, entre outros.

De suas cerca de 500 composições – solo ou com parceiros como Paulo Cesar Feital, o mais constante –, não são poucas as que se tornaram sucesso nas vozes de artistas como Roberto Carlos, que gravou Dito e Feito; Nana Caymmi, com Bolero de Neblina; Alexandre Pires, com Interfone; Negritude Jr., com Absoluta; Exaltasamba, com Dez a Zero; Belo, com Farol das Estrelas; Grupo Bom Gosto, com 300 Anos de Zumbi; Daniel, com Declaração de Amor. Emilio Santiago gravou 22, entre a quais Perfume Siamês, Não foi à toa, Verdade Chinesa, Flamboyant, Lesões Corporais; Alcione, 25, entre elas, Sinfonia da Paz; e Leny Andrade, um CD inteiro só com composições dele. Isto tudo, somado às gravadas pelo próprio compositor, como Paixão de D’Artagnan, Oração dos Matagais (novela Sinhá Moça), Entra e Sai de Amor (novela Roque Santeiro). E ainda o samba-enredo, de 2016, da Viradouro e o deste ano da Mocidade Independente de Padre Miguel.

Sua produção mais recente é o CD Balé dos Orixás, com criações em louvor a cada uma das divindades afro-brasileiras. O encarte traz ilustrações cedidas pelo artista plástico baiano Ed Ribeiro, de renome internacional, que forma orixás manipulando tinta derramada na tela.

A proposta deste projeto é que São Paulo – que até hoje não teve a oportunidade de assistir ao Alabê de Jerusalém –, possa conhecer algumas composições dessa ópera antológica e também vários sucessos de Altay Veloso, na voz do próprio autor, acompanhado por um trio, num show itinerante, do circuito SESC.

Trajetória

Às vésperas de completar 66 anos – dia 26 de fevereiro próximo –, Altay Velloso da Silva, filho do jongueiro e compositor capixaba Aguillar Velloso, adotou o nome artístico de Altay Veloso (com um L só), ainda nos tempos em que era guitarrista de bandas de baile do Rio de Janeiro, como O Rancho e a Banda do Bando, ao lado de músicos que fizeram parte da primeira formação da famosa Black Rio, de Oberdan Magalhães. Já nessa época ele também integrava a banda que acompanhava, em shows, a cantora Wanderléa.

Bastante ligado às questões de sua ancestralidade, filho de uma sacerdotisa da Umbanda, Altay orgulha-se de ainda hoje viver em São Gonçalo, na casa construída pelo avô, na primeira metade do século XX. “Vivo há 66 anos na mesma casa em que minha mãe teve a doçura de me dar à luz”, comenta sorrindo.

Musicalmente, enriqueceu seus conhecimentos, performances e sensibilidade tocando com Egberto Gismonti. Sua carreira de compositor, porém, ganha visibilidade no início da década de 80, com seu primeiro LP, O Cantador, pela RCA Vitor. Dois anos depois conquista, com a música África, o segundo lugar, na 5ª eliminatória do Festival MPB Shell, da Rede Globo. O sonho da maioria dos compositores, durante muito tempo, era entrar na trilha sonora de alguma novela. E Altay foi contemplado numa das mais importantes novelas da história da TV brasileira, Roque Santeiro, em que sua composição Entra e Sai de Amor foi escolhida para ser o tema do romance entre os personagens Tânia (Lídia Brondi) e Padre Albano (Claudio Cavalcanti).

Sem grandes vaidades, Altay comenta a real importância para ele do sucesso de suas composições: “Além de proporcionar boa qualidade de vida à minha família, minhas músicas me deram a candura e as condições para eu pesquisar, por 20 anos – inclusive viajar à Nigéria e a Jerusalém e assistir a vários espetáculos da Broadway, em Nova Iorque –, para criar a ópera Alabê de Jerusalém”, obra que também rendeu um livro, que escrevi ao longo de três meses e que deve ser publicado também no formato de história em quadrinhos”.

Com a certeza de que o tempo da natureza nada tem a ver com o tempo do relógio, tanto sua fala, que traz a musicalidade do acordeon tocado pelo avô, quanto sua intensa produção musical fluem ao sabor da brisa, com consistência, mas sem nenhuma pressa. Mais que canções que fizeram sucesso, é esse personagem e suas histórias, lembrando os griots ou djelis africanos, que o circuito SESC pode revelar para São Paulo, num evento itinerante marcante e inesquecível.

Serviço

Altay Veloso, no Bar Brahma

Quando: 28 de novembro a partir das 21h