BRASÍLIA Revoltadas, servidoras da Caixa pediram a imediata demissão do chefe (Crédito:Gabriela Biló)

“Vou te rasgar. Vai sangrar”. A frase foi dita pelo ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães, 51 anos, a uma subordinada que, ao lado de outras servidoras públicas assediadas por ele, resolveu expor publicamente as investidas de que eram vítimas no ambiente de trabalho. Os relatos estão sendo investigados pelo Ministério Público Federal desde outubro do ano passado, mas só agora foram tornados públicos. As revelações caíram como uma bomba no comitê de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL). Seu alto índice de rejeição junto ao eleitorado feminino é uma das principais pedras no sapato dos seus estrategistas e, como se já não bastassem as dificuldades decorrentes da notória misoginia do presidente, agora vem à tona que um dos seus principais auxiliares submetia servidoras do banco público a uma rotina de assédio sexual, humilhações e medo.

De acordo com os relatos, publicados inicialmente pelo site Metrópoles, o economista Guimarães exibia seu comportamento de predador sexual não só nas dependências da sede da Caixa, em Brasília, mas principalmente durante as constantes viagens a trabalho para participar de eventos do Caixa Mais Brasil, programa “liderado pessoalmente” por ele. Sua missão seria “conhecer as distintas realidades do país”, informa o site da instituicao. Desde 2019, ele visitou 153 municípios. Em uma dessas viagens, para as quais costumava selecionar auxiliares consideradas “bonitas”, chegou a propor, durante um jantar com sua equipe, um “carnaval fora de época”. Foi em Porto Seguro, na Bahia. “Ninguém vai ser de ninguém. E vai ser todo mundo nu”.

Em outra viagem, duas servidoras foram chamadas para assistir ao chefe nadando na piscina do hotel. “Parecia um boto se exibindo”, relataram. “E se o presidente quiser transar com você?”, perguntou um dos auxiliares de Guimarães a uma delas.

Eram comuns convites para acompanhá-lo na sauna ou na piscina dos hotéis, e por vezes ele também exigia que as servidoras levassem ao seu quarto, inclusive durante a noite, objetos como carregadores de celular ou documentos. Em uma dessas ocasiões, estava seminu, apenas de cueca samba-canção. Também chegou a pedir a uma das auxiliares que o acompanhavam para “tomar um banho” antes de “tratarem da carreira” da subordinada. Em Brasília, pegava na cintura das servidoras sem o consentimento delas — se é que se pode falar em “consentimento”, já que ele era o chefe de todas e tinha a discricionaridade de decidir sobre o destino de quem trabalha na instituição. “As pessoas aceitam o abuso com medo da retaliação, do poder dele”, explicou uma das vítimas de Guimarães em entrevista à Folha de S. Paulo. “Ele te tira de uma posição de destaque pra te colocar numa função muito abaixo”. Ela foi puxada pelo pescoço pelo economista. “Estou com muita vontade de você”, ouviu dele. Deixou a sala em choque, chorando. Em outra ocasião, ele a tocou na cintura e ela se desvencilhou assim que percebeu que a mão começava a deslizar em direção a suas partes íntimas.

TROCA Até então braço-direito de Guedes, Daniella Marques
vai substituir Guimarães no comando do banco público (Crédito:Fátima Meira)

Pedro Guimarães era um dos integrantes do governo mais próximos de Bolsonaro. Em alguns momentos de crise protagonizados pelo ministro Paulo Guedes, foi cogitado para substituir o padrinho político no Ministério da Economia. Também chegou a sonhar com a vaga de vice na chapa de Bolsonaro, com quem tem profunda identificação ideológica. Em 2020 criticou o isolamento social e classificou de “histeria coletiva” as preocupações com o avanço da pandemia de Covid 19. Bolsonaro, aliás, também tem na folha corrida um episódio relacionado a violência sexual. É réu no Supremo Tribunal Federal por apologia ao estupro. À deputada federal Maria do Rosário (PT), em 2014, o então deputado disse que não a estupraria por considerá-la “muito feia”. “A violência sexual é um processo consciente de intimidação pelo qual as mulheres são mantidas em estado de medo”, disse o ministro Luiz Fux, relator da ação, ao se manifestar pela abertura do processo contra Bolsonaro.

O presidente teria considerado “inadmissível” a conduta do auxiliar, e começaram a pipocar novas denúncias inclusive em outras instituições bancárias, como Santander e BTG, para as quais Guimarães trabalhou. Vinte e quatro horas depois de o escândalo atual emergir, ele seguia no cargo. Apresentou sua carta de demissão no final da tarde da quarta-feira 29, e se disse vítima de uma situação “cruel, injusta, desigual que será corrigida na hora certa”. Será substituído por Daniella Marques, braço-direito de Paulo Guedes, que comandava a Secretaria de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia. Daniella processa o ex-marido por violência doméstica e tem medidas protetivas. Ele também está na Justiça contra ela pelo mesmo motivo. Detalhe: é problema particular deles, nada tem a ver com a República, ao contrário do caso de Guimarães. Poucas horas antes do pedido de demissão, ele participou, em Brasília, de seu último evento como presidente da Caixa, para divulgar o Plano Safra 2023. Levou a mulher, com quem é casado há 18 anos e tem dois filhos, e disse que é “pautado pela ética” em suas relações profissionais. Ocorre que assédio sexual não é desvio ético. Assédio sexual é crime.