Em tempos de Covid-19, todos teremos que nos reinventar para termos novas ideias e sermos bem-sucedidos no ambiente que será o “novo normal” após a pandemia. Especialistas dizem que o digital será a bola da vez e que o sucesso estará junto aos empreendedores que tiverem ideias diferentes.

Pois bem, para animar todos com novas ideias, conto aqui um pouco dos bastidores do urinol que mudou o rumo da arte moderna. Marcel Duchamp (1887-1968), estava em Nova York e avistou uma loja de encanamentos na Quinta Avenida. A história já é especial só de imaginar que existia nesse local de luxo um estabelecimento com essas caraterísticas…

O artista compra a peça de porcelana branca e a leva para seu ateliê. Depois de uma análise cuidadosa, pega o pincel, assina “R. Mutt 1917”. A assinatura é um pseudônimo, em uma alusão ao nome J.L. Mott da loja onde comprou o objeto. A ideia com sua obra era fazer uma crítica aos especuladores do mercado, aos colecionadores endinheirados e aos diretores ignorantes dos museus da época. O “R” significa sacos de dinheiro, usando um coloquialismo francês. Pelo menos na cabeça dos artistas, o incrível do mundo da arte é isso: um mictório pode ser sim transformado em obra de arte!

O urinol saiu definitivamente de cena e garantiu espaço na história da arte, batizada como “Fonte”. A obra foi inscrita para participar do Salão da Sociedade Nova-iorquina de Artistas Independentes. Obviamente, foi rejeitada pelo júri num primeiro momento. Mas não poderiam desclassificá-la porque o regulamento dizia que, ao pagar a inscrição, todos os trabalhos seriam expostos, e a proposta da organização era combater o establishment artístico e autoritário da National Academy of Design.

Duchamp escolheu o urinol justamente por sua falta de estética. A obra tem vários significados ocultos. Para ele, tinha um caráter erótico e a inversão física do objeto tinha conotações sexuais. Foi um choque de alta intensidade e numa força tão grande que provoca discussões calorosas até os dias atuais. Do mesmo modo, surgiram outras obras semelhantes como “Roda de Bicicleta” (1913) e “Porta-Garrafas” (1914).

Obviamente, o marketing e um forte trabalho de comunicação ajudou a “Fonte” a ficar rapidamente conhecida internacionalmente. Ela foi fotografada por Alfred Stieglitz, um dos profissionais mais respeitados da época e que era dono de uma das galerias de arte mais badaladas de Nova York. O registro fotográfico funcionou como uma prova documental da existência da obra.

Com toda essa energia e capacidade criativa, Duchamp foi um renomado pintor e escultor francês, bem como um ícone das vanguardas artísticas do início do século XX. Foi um dos precursores da arte conceitual, do dadaísmo, do surrealismo e do expressionismo abstrato. Batizou de “Readymade” o movimento de ter ideias diferentes e de transformar peças prontas em esculturas, mostrando para o mundo que objetos comuns, se liberados de seu uso funcional, poderiam ser transformados em obra de arte de fato.

Com ele, nada era fácil e levava todos a intermináveis discussões, usando na plenitude os ensinamentos e a paciência que aprimorou ao jogar xadrez. Divertia-se ao questionar acadêmicos e críticos de arte que costumavam menosprezar os trabalhos para obter custos menores no momento da compra. Dizia que cabia apenas aos artistas o direito de decidir o que é ou não uma obra de arte. Criticava também a soberba dos artistas, que eram levados muito a sério.

Duchamp sempre foi muito seguro de si, a ponto de dizer: “Será arte tudo o que eu disser que é arte”. Comentava que seu urinol era tão importante quando as obras de Leonardo Da Vinci. Não se curvava para nenhuma crítica e era ousado na manifestação das suas crenças. Vale ver a obra “L.H.O.O.Q.” (1919), uma pintura da “Monalisa”, que recebeu bigode e cavanhaque incluídos por ele, de forma provocativa. A partir do movimento “Readymade”, ele nos fez ver a importância do propósito e que objetos podem ser considerados arte no momento que mudam sua finalidade.

Seu modelo poderia ser comparado ao de uma startup de grande relevância, do tipo Unicórnio. Ele teve uma ideia genial, a colocou em prática, fez o registro fotográfico para patentear sua criação e redefiniu os rumos do mercado. Ignorou os céticos, as críticas e o status quo. Ele não iniciou a arte moderna, mas sua figura é onipresente, influenciando até hoje milhares de artistas ao redor do mundo.

Que os empreendedores brasileiros façam como Duchamp e deem asas para sua imaginação, com coragem e irreverência.