Forçar países como Venezuela, Cuba e Nicarágua a aceitar o retorno de imigrantes que estão ilegais nos EUA será uma tarefa complexa para o governo americano. Sanções podem não ter efeito ou ser contraproducentes.Ao iniciar sua campanha de deportações, com o retorno de centenas de pessoas que estavam ilegais para Guatemala, Brasil e Colômbia, Donald Trump elevou a tensão com governos latino-americanos. A primeira rusga veio com o presidente colombiano, Gustavo Petro, que no último domingo se negou a receber voos militares dos Estados Unidos com colombianos deportados – mas recuou da decisão após Trump anunciar tarifas e sanções.
Os primeiros deportados colombianos voltaram na terça-feira (28/01), em aviões da Força Aérea da Colômbia, dessa vez sem algemas.
No entanto, os EUA não terão a mesma "facilidade" de negociação com governos mais avessos à sua política, que tem no cerco a imigrantes ilegais uma de suas principais bandeiras.
Cuba, Nicarágua e Venezuela, que têm no poder regimes autoritários, não são exatamente amigos de Trump – Havana, Manágua ou Caracas estiveram pouco dispostos a cooperar com os EUA no passado. Cuba está inclusive na lista de países que o Departamento de Imigração e Alfândega dos EUA considera "recalcitrantes" quando se trata de receber deportados.
Para eles, Trump tem à sua disposição medidas de coerção, como a Seção 243(d) da Lei de Imigração e Nacionalidade (INA, da sigla em inglês), que permite ao Executivo suspender todos os vistos para cidadãos de países não cooperantes. Outras medidas são consideradas, como as aplicadas contra a Colômbia (ameaças de tarifas), ou cortes em ajuda, pressão política, entre outras. Mas qual o impacto dessa política para os governos cubano, venezuelano ou nicaraguense?
Sanções podem ser contraproducentes
"Todos os países devem aceitar o retorno de seus cidadãos, mas a estratégia do presidente Trump de impor sanções ou tarifas para fazer com que outros governos aceitem as deportações não funcionará da mesma forma que funcionou com a Colômbia. Os governos da Nicarágua, Cuba e Venezuela não são tão dependentes do comércio e dos tratados com os Estados Unidos quanto a Colômbia e o México, por exemplo", disse Ariel Ruiz, analista sênior do Instituto de Política Migratória dos EUA (MPI).
Ruiz diz ainda que o aumento das sanções poderia ser contraproducente, pois "poderia exacerbar as condições econômicas que já são muito difíceis para as pessoas desses países e, portanto, fazer com que mais delas decidam emigrar".
"Eu não subestimaria a capacidade do governo dos EUA de exercer pressão", diz Luis Rubio, analista e presidente do think tank México Evalúa. "A questão é o que Trump trocará, por exemplo, com Maduro. Se ele lhe conceder legitimidade em troca de alguns milhares de migrantes…, o que seria catastrófico, mas não inconcebível", disse o especialista à DW. "Suponho que as pressões sobre esses governos, especialmente sobre a Venezuela e a Nicarágua, crescerão dramaticamente, mas o resultado prático mais provável é que muitos dos migrantes acabem no México", diz Rubio.
E, de fato, o México foi mencionado em mais de uma ocasião como um possível "terceiro país seguro" para enviar migrantes irregulares que são deportados e seus países não os recebem. Embora a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, tenha dito que não permitirá que esse cenário se concretize, em Washington eles continuam a considerá-lo para remover os 42.084 cubanos, 45.995 nicaraguenses e 22.749 venezuelanos que, de acordo com um documento do órgão de imigração americano, publicado pela Fox News, já têm ordens de deportação pendentes.
Mudando o foco
"Forçar países governados por ditaduras a aceitar deportações é uma tarefa complexa. Esses regimes geralmente usam a migração como ferramenta política", diz Facundo Robles, coordenador do Programa para a América Latina do Wilson Center, à DW. "Os acordos de deportação dependem, em grande parte, de negociações bilaterais, e uma abordagem unilateral, como a imposição de sanções, pode endurecer ainda mais a posição" desses governos, diz o especialista, para quem uma abordagem melhor seria vincular os acordos de migração a incentivos, como a flexibilização de sanções ou iniciativas de cooperação humanitária.
Além de iniciar as deportações por meio de voos militares, Trump também reforçou a presença militar na fronteira sul de seu país. "A ação da Guarda Nacional provavelmente reduzirá imediatamente as novas chegadas, pelo menos através das fronteiras formais tradicionais", diz Rubio.
No entanto, "isso não controlará o fluxo que começa muito mais ao sul", acrescenta Ruiz. "Quando não há outra maneira de entrar legalmente no país ou buscar refúgio na fronteira entre os EUA e o México, o envio de soldados ou muros geralmente leva os migrantes a tentar atravessar por rotas mais perigosas", diz o especialista do Migration Policy Institute.
"Essas estratégias podem deter alguns migrantes no curto prazo, mas não abordam as causas básicas da migração, como perseguição política, falta de oportunidade econômica, mudança climática ou insegurança alimentar. Uma resposta abrangente deve incluir tanto medidas de segurança nas fronteiras quanto programas que promovam a estabilidade e o desenvolvimento nos países de origem", diz Robles, do Wilson Center.
Perfil dos imigrantes ilegais nos EUA
De acordo com dados do Pew Research Center de 2022, cerca de 11 milhões de imigrantes sem documentação vivem nos EUA, o que representa 3,3% da população do país. Desses, 8,3 milhões estão empregados e respondem por 4,8% da força de trabalho americana.
A maior parte desse contingente é de mexicanos – eram 4 milhões de imigrantes ilegais vindos do país vizinho em 2022. Depois vem El Salvador (750 mil imigrantes ilegais), Índia (725 mil) Guatemala (675 mil) e Honduras (525 mil).
Havia cerca de 270 mil venezuelanos não documentados nos EUA, sendo uma das nacionalidades que mais cresceu nessa estatística nos últimos anos, reflexo da crise econômica e da forte repressão a oponentes no país. Em 2007, essa população era de 55 mil, passando para 130 mil em 2017.
De acordo com reportagem do New York Times, o governo de Trump revogou uma medida do governo Biden que protegia de deportação venezuelanos há mais de 18 meses nos EUA e facilitava autorizações de trabalho, medida concedida a mais de 600 mil venezuelanos.
Brasil, Canadá, Colômbia, Equador, Índia e países da antiga União Soviética foram alguns dos locais que tiveram esse número de migrantes ilegais crescer nos últimos anos – só do Brasil, são 230 mil.