Como Trump atua para enfraquecer a Palestina

Kevin Mohatt/Reuters
Trump e Netanyahu se reúnem na Casa Branca Foto: Kevin Mohatt/Reuters

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou tarifas de 35% sobre os produtos do Canadá após o primeiro-ministro do país, Mark Carney, sinalizar a intenção de reconhecer o Estado da Palestina na 80ª sessão da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), marcada para setembro.

A medida amplia os 25% já estabelecidos pelo americano no tarifaço de janeiro de 2025, que afetou diversos países. O prazo de negociações estava previsto para acabar em 1º de agosto, mas o aceno de Carney à comunidade palestina foi recebido negativamente na Casa Branca.

O apoio americano a Israel no conflito na Faixa de Gaza não é novidade na gestão do republicano. Em seu primeiro mandato (de 2017 a 2020), o presidente emplacou uma série de medidas anti-palestinas. Neste texto, a IstoÉ relembra outros fatos para explicar o que está por trás dessa ofensiva.

Reconhecimento de Jerusalém e mudança de embaixada

Em 2017, no primeiro ano como presidente dos EUA, Trump determinou a transferência da embaixada do país em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. A mudança implicou no reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel — o que é fortemente rejeitado pela comunidade islâmica.

O reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel foi aprovado pelo Congresso americano ainda em 1995, mas nunca havia sido colocado em prática. “Hoje finalmente reconhecemos o óbvio: que Jerusalém é a capital de Israel. […] Meu anúncio marca o começo de uma nova abordagem no conflito entre Israel e palestinos”, disse Trump.

Corte de verbas

Já em agosto 2018, no segundo ano de mandato, o republicano aumentou a aposta no anti-islamismo. O governo americano comunicou o cancelamento da ajuda de 200 milhões de dólares aos palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza.

Segundo autoridades federais, a medida “levou em conta os desafios que a comunidade internacional enfrenta para dar assistência em Gaza, onde o controle do Hamas coloca em risco a vida dos cidadãos e degrada a já terrível situação humanitária e econômica”.

Em reação, palestinos suspenderam o contato com a administração Trump e consideraram que os EUA não podiam mais desempenhar um papel de mediação no processo de paz no Oriente Médio.

Além dos cortes de ajuda humanitária, a Casa Branca também suspendeu praticamente todos os recursos destinados à UNRWA, agência da ONU para os refugiados palestinos, em um prejuízo de mais de 300 milhões de dólares ao programa.

Legitimação de assentamentos israelenses

Ainda durante a primeira administração do republicano, os Estados Unidos anunciaram passariam a considerar legais os assentamentos israelenses na Cisjordânia.

A posição contrariou uma política que vigorava há 41 anos no país, que considerava os assentamentos em território ocupado “incompatíveis com o direito internacional“. Além disso, as Resoluções das Nações Unidas também afirmam que os assentamentos são ilegais, com base na 4ª Convenção de Genebra, que proíbe “a deportação ou transferência de partes de uma população civil” de um país para outro território ocupado por ele.

“Argumentos sobre quem está certo e quem está errado pelo direito internacional não trarão paz”, disse na ocasião o secretário de Estado, Mike Pompeo.

Como Trump atua para enfraquecer a Palestina

Ativistas pró-Palestina se manifestam em frente à Convenção Democrata em Chicago, Illinois, 19 de agosto de 2024 – AFP

Prisão de manifestantes pró-palestina

Já no atual mandato, Trump procurou reforçar o apoio político a Israel. Os EUA chegaram a prender um dos líderes dos protestos pró-palestina que preencheram o campus de diversas universidades americanas. Mahmoud Khalil, um dos nomes mais conhecidos nos protestos estudantis que eclodiram contra a guerra de Gaza, foi preso por autoridades migratórias no início de 2025.

O republicano afirmou que a prisão de Khalil foi “a primeira de muitas”. “Sabemos que há mais estudantes em Columbia e outras universidades do país que se envolveram em atividades pró-terroristas, antissemitas e antiamericanas, e o governo Trump não vai tolerar isso”, disse em uma rede social.

Sanções contra funcionários da Autoridade Palestina e OLP

No mesmo dia em que anunciou o aumento de taxas sobre o Canadá em retaliação ao reconhecimento do Estado Palestino, Trump impôs sanções contra membros da Autoridade Nacional Palestina (ANP) e da Organização pela Libertação da Palestina (OLP) devido a um suposto descumprimento de “compromissos” no processo de paz no Oriente Médio.

Em nota, o Departamento de Estado dos EUA criticou a ANP, órgão de governo da Cisjordânia, território ocupado ilegalmente por Israel, por adotar medidas para “internacionalizar” o conflito, como as ações na Corte Internacional de Justiça da ONU (CIJ) e no Tribunal Penal Internacional (TPI).

Além disso, o governo americano acusa a Autoridade Palestina de “continuar apoiando o terrorismo”. Os alvos das sanções terão vistos negados para entrar nos EUA — mas o comunicado não especificou quem são.

Trump reconhece fome em Gaza

Apesar do constante suporte oferecido por Trump a Israel, o republicano contrariou o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ao reconhecer que há sinais de “fome de verdade” na faixa de Gaza e, em seguida, anunciar a criação de “centros de distribuição de alimentos” na região.

Questionado sobre a afirmação do aliado israelense, que afirma não haver fome em Gaza, o republicano disse ter visto “imagens de crianças muito esfomeadas”.

Como Trump atua para enfraquecer a Palestina

Donald Trump ao lado de Netanyahu: aliança política

Por que apoio israelense é costume entre líderes americanos?

Na história da política americana, republicanos e democratas costumam compartilhar, na gestão da diplomacia, o apoio e o financiamento militar a Israel. 

Segundo o professor de relações internacionais da ESPM Gunther Rudzit, isso acontece principalmente porque a causa isralense é encarada como um tema de política interna nos EUA. “Há um forte lobby judaico-americano e israelense no Congresso americano. Nenhum candidato ou candidata a presidente consegue se tornar candidato ou candidata e se eleger se não declarar apoio incondicional a Israel”, afirmou à IstoÉ.

Para o professor, o peso das medidas contra a causa muçulmana culmina no veto do reconhecimento do Estado Palestino dentro do Conselho de Segurança da ONU.  “Se a votação pelo reconhecimento da Palestina não passar no Conselho de Segurança, por um veto que seja, não vai ser reconhecido nas Nações Unidas”.

Rudzit afirmou que a imposição tarifária de Trump segue como sua grande estratégia na política internacional, a exemplo do que fez com o Canadá, mas há limitações. “Trump tem deixado claro que vai impor sanções quando interessar. Ele acha que sanções resolvem tudo, mas tem limites até para isso, porque depois de um certo patamar de sobretaxa, não faz diferença alguma, já que os produtos perdem competitividade no mercado americano”, concluiu.