“Tive que me reinventar. Minhas apresentações de fim de ano serão como no estúdio, farei uma live gigante” Dre Guazzelli, DJ (Crédito:Divulgação)

Há muita gente agora com uma vontade imensa de extravasar, entrar em 2021 se esbaldando no meio da multidão com a liberdade e a felicidade de estar vivo e dançando enlouquecidamente até o amanhecer. Se por um lado, buscar a festa parece natural depois de um longo período de isolamento, por outro é um risco desnecessário, que só corre quem tem a segurança ilusória de que a pandemia está arrefecendo. Mesmo assim, um número crescente de pessoas age como se não houvesse amanhã e sonha em transformar o próximo Réveillon na festa de suas vidas. Só isso explica que as principais praias e pontos turísticos do Brasil estejam promovendo eventos de grande porte que reunirão de uma centena a alguns milhares de pessoas na última semana do ano. Tudo indica que, apesar da Covid-19, a balada vai pegar.

De um modo geral, as festas programadas prometem seguir as regras da quarentena que envolvem limitação do público, distanciamento mínimo entre as pessoas, exigência de uso de máscara e disponibilidade de álcool nos banheiros. Mas a aglomeração será inevitável. A celebração do Réveillon é uma data marcante em todo mundo e, na maioria das vezes, as pessoas se juntam aos montes, trocam abraços, beijos e apertos de mão, ficam próximas umas das outras e compartilham objetos. Ao chegar o momento de contagem dos dez segundos finais, da passagem de um ano para outro, o pensamento que toma conta das mentes humanas é que, a partir desse instante, a vida que levamos vai sofrer uma alteração generalizada para melhor, os problemas vão se resolver e tudo que está errado vai se acertar. Mas esse desejo de mudança dificilmente se concretiza. E com o coronavírus, a transformação pode ser para pior. A realidade é que o afago, o toque, aquele jeito de demonstrar afeto ficaram no passado e viraram uma ameaça. É imperativo agora usar máscaras.

Muitos ainda desprezam o potencial de destrutivo do coronavírus. As vendas de ingressos para as festanças de Réveillon estão em alta em vários pontos turísticos. O formato é o mesmo do ano passado. Na Bahia, por exemplo, está prevista a realização de um luau a bordo de uma escuna de luxo, com alimentação variada e bebida de todo tipo. Francisco Venet, diretor comercial da empresa Axé Bahia, organizadora do evento, diz que vai realizar a festa mesmo com a pandemia porque, segundo ele, “as coisas já estão praticamente normais”. “Olha, não como agora, mas morrer faz parte da vida”, afirma. Ele conta que a empresa pretende fazer algumas adequações em relação aos seus eventos anteriores. “Vamos disponibilizar álcool gel a todos os participantes”, diz. Segundo Venet, o passeio pela orla de Salvador vai acontecer de forma segura porque haverá uma diminuição na quantidade de ingressos vendidos de 180 para 120.

Regras de segurança

No litoral norte de São Paulo, por exemplo, está marcada a vigésima quinta edição da festa Réveillon Baleia e os convites são vendidos a R$ 1500 cada. No local há um campo de futebol e para que os participantes possam se divertir na pista de dança haverá a animação do DJ Milton Chuquer. Mesmo assim, a empresa responsável pela comemoração, a Index, afirma em nota, que vai cumprir os protocolos de segurança contra a Covid-19. O fato, porém, é que a forma de se realizar grandes eventos não mudou, apesar das mais de 161 mil mortes causadas pelo novo coronavírus. Numa rápida navegação pela internet, descobre-se um anúncio feito pelo hotel Porto Galo, em Angra dos Reis: “Festa de Réveillon com espetacular queima de fogos, banda musical e ceia de confraternização”. Ao manifestar interesse em adquirir o ingresso, a atendente que fala ao telefone resume o caráter do evento: “A festa será do lado de fora, onde fica a piscina”, diz.

SEM MEDO DO VÍRUS Festas de Réveillon favorecem aglomerações e deixam pessoas mais expostas ao contágio: enquanto não houver vacina não haverá segurança (Crédito:Divulgação)

Repique da doença

“Cuidado”, alerta o médico sanitarista e professor da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Gilberto Martin. “Só quando tivermos uma vacina teremos segurança”. Ele afirma que festas de Réveillon geram muita aglomeração e, por isso, poderá haver um repique da doença. “Nesses casos fica muita gente junta, o que é um ambiente propício para disseminação viral”, afirma. Ainda segundo o médico, como a Covid-19 tem alta transmissibilidade, mas, em 80% dos casos, as pessoas ficam assintomáticas ou com sintomas leves, há pessoas que não crêem no potencial infeccioso da doença. Por isso, vale ressaltar que mesmo uma aglomeração de vinte pessoas pode ser perigosa e existe uma alta probabilidade de transmissão do vírus. “Em qualquer circunstância devemos manter as regras”, pontua Martin. Com isso, ele deixa claro que para algumas pessoas que vão participar desses grandes eventos, pode ser a última vez que comemoram um Réveillon.

Na cidade do Rio de Janeiro, o consagrado Réveillon de Copacabana não vai se realizar no formato conhecido. A saída encontrada para se preservar a festa e a vida das pessoas foi com a montagem de seis palcos espalhados pela cidade, mas sem a presença de público, e com transmissão dos shows em canal aberto e pelas plataformas digitais. O cancelamento das grandes festas públicas gerou um efeito imprevisto, que é a multiplicação de eventos de menor porte. No Rio, esse fenômeno pode ser claramente identificado. Sem a pirotecnia de Copacabana, os cariocas estão apostando em festas privadas e exclusivas. Para lidar com as restrições de espaço, os promotores de evento estão vendendo a ideia da exclusividade, de que haverá menos gente nas festas e mais seleção dos participantes. A subsecretaria de Vigilância Sanitária da cidade informou que não há mais proibição de atividades festivas no município, e que, em relação à realização e fiscalização das festas de Réveillon, os estabelecimentos continuam tendo que cumprir os protocolos sanitários exigidos e obedecer as regras criadas para evitar aglomerações.

A debilidade financeira ocasionada pela pandemia é notória e as festas de Réveillon são uma forma de recuperar tempo e dinheiro perdido. Mas nem todo mundo pretende se arriscar. O DJ Dre Guazzelli, por exemplo, um dos maiores expoentes das confraternizações de fim de ano no Nordeste, principalmente nas praias de Porto Seguro, na Bahia, diz que o impacto econômico da Covid-19 afetou fortemente o seu trabalho e que pretende aproveitar o aprendizado que teve durante o isolamento.. “Tive que me reinventar”, diz. O DJ focou no trabalho de estúdio. “Fiz mais de cinquenta músicas”, afirma. Sobre os festejos deste ano, diz que há uma pré-agenda, mas não sabe se vai se concretizar. “Só sei que vai ser como no estúdio, uma live gigante”, explica. Talvez uma saída para esses tempos de pandemia seja a realização de festas virtuais. Pelo menos no Réveillon de 2021.