Como os bombardeios ‘anunciados’ do Irã no Catar levaram a uma trégua com Israel

Os bombardeios sem precedentes do Irã contra uma base americana no Catar foram cuidadosamente calibrados para facilitar uma saída da crise com Washington e abrir a via para uma trégua com Israel, apontaram analistas e um funcionário.

Na segunda-feira (23), o Irã avisou que ia disparar mísseis contra a base americana, o que minimizou o risco de vítimas e permitiu que os projéteis fossem interceptados.

Com esses disparos, o Irã respondeu aos bombardeios maciços que os Estados Unidos fizeram contra instalações nucleares iranianas no fim de semana passado, o que despertou temores a respeito da reação de Teerã após mais de uma semana de guerra com Israel.

A base atacada, a de Al Udeid, instalada a 190 km ao sul do Irã, no outro lado do Golfo, é a maior dos Estados Unidos no Oriente Médio.

No entanto, o bombardeio não convenceu o presidente americano Donald Trump, que, inclusive, agradeceu o Irã por “ter avisado [Washington] a tempo”.

O Catar condenou os disparos, os primeiros que a República Islâmica efetuou contra o território de um Estado do Golfo. Ainda assim, seu primeiro-ministro ponderou que a resposta de Doha seria “diplomática” e não militar.

Horas depois do ataque, Trump anunciou um cessar-fogo que tanto Irã quanto Israel aceitaram rapidamente. Uma fonte próxima às negociações indicou que Doha “persuadiu” Teerã para que aceitasse a suspensão das hostilidades.

– Porta de saída –

Segundo Neil Quilliam, especialista em geopolítica no centro Chatham House, o ataque era “claramente limitado” e “buscava mostrar à população iraniana que os dirigentes [do país] reagiram com firmeza” aos bombardeios americanos.

O Irã tinha prometido “fortes consequências imprevisíveis” para os Estados Unidos.

As ricas monarquias do Golfo, que abrigam várias bases militares americanas, vinham se preparando há vários dias para uma eventual resposta iraniana.

Uma semana antes do ataque contra o Catar, o Bahrein, sede da 5ª Frota dos Estados Unidos, testou suas sirenes de alarme.

Imagens de satélites da semana passada, publicadas pelo Planet Labs PBC e analisadas pela AFP, mostravam que muitas aeronaves americanas foram retiradas das pistas da base de Al Udeid.

Horas antes dos disparos, a embaixada dos Estados Unidos no Catar recomendou a seus cidadãos que limitassem os deslocamentos, um aviso similar ao emitido por outras representações diplomáticas ocidentais.

O Ministério de Relações Exteriores do Catar disse que o tráfego aéreo foi temporariamente suspenso por “precaução”.

– ‘Aguentar o golpe’ –

Para Ali Vaez, do grupo de especialistas International Crisis Group, as represálias iranianas “foram proporcionais e anunciadas de tal maneira que não provocaram vítimas americanas, permitindo assim uma saída da crise para ambas as partes”.

Segundo a fonte próxima às negociações, o primeiro-ministro do Catar, Mohammed bin Abdulrahman Al Thani, entrou em contato com os iranianos a pedido de Washington depois dos bombardeios.

Donald Trump informou então ao emir do Catar que Israel aceitaria um cessar fogo. O vice-presidente americano, J.D. Vance, falou por telefone com o primeiro-ministro do Catar e este “persuadiu Teerã a aceitar a proposta durante uma conversa com os iranianos”, segundo a mesma fonte.

Ali Vaez considera que “as boas relações entre Irã e Catar explicam porque Teerã optou por bombardear […] a base de Al Udeid no Catar”.

Antes do ataque, alguns observadores levantaram a possibilidade de que o Irã bombardeasse as forças americanas sediadas no Iraque ou em outras partes da região.

Para Ali Vez, o ocorrido é um exemplo do “papel de mediador que o Catar joga entre o Irã e os Estados Unidos”, pois “o país aceitou aguentar o golpe para tentar evitar uma nova escalada”.

“Se as respostas oficiais do Catar aos ataques fossem condenar o Irã, também enviaram uma mensagem implícita para pedir o fim dos conflitos na região”, apontou, por sua vez, Neil Quilliam.

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