Era madrugada de 23 de março de 2025 quando Munther Abed e sua equipe de resgate foram enviados pelos serviços de emergência para a região de Hashashin, em Rafah, no sul de Gaza. Foi então que começou o tiroteio.
“O carro foi alvejado durante o caminho. Quando o tiroteio começou, eu me deitei no chão da cabine traseira do carro. Depois disso, não ouvi mais nada“, disse Abed, paramédico voluntário do Crescente Vermelho palestino, em entrevista por telefone à DW.
Seus dois colegas de trabalho que estavam na frente do veículo foram mortos. Na sequência, ele ouviu soldados israelenses se aproximando. Abed, de 27 anos, disse que foi detido, espancado e interrogado pelas tropas israelenses e só liberado horas depois.
Esse foi o primeiro de uma série de ataques de Israel direcionados a equipes de socorristas naquela madrugada, de acordo com o Crescente Vermelho — o equivalente à Cruz Vermelha em países islâmicos.
No total, 15 profissionais de resgate e paramédicos palestinos foram mortos pelas forças israelenses naquele início de manhã, incluindo oito do Crescente Vermelho, seis da Defesa Civil palestina e um funcionário da ONU. Os militares então enterraram os corpos em uma cova rasa ao lado de seus veículos destruídos.
Mortos enquanto tentavam salvar vidas
As Nações Unidas e os serviços de emergência palestinos haviam negociado por dias com militares israelenses uma passagem segura para área, disse Jonathan Whittall, chefe do escritório humanitário da ONU (Ocha, da sigla em inglês) nos territórios palestinos, durante coletiva de imprensa sobre a recuperação dos corpos dos socorristas, em 2 de abril.
“Eles estavam sendo enviados para Rafah enquanto as forças israelenses avançavam, atingindo as ambulâncias uma a uma “, relatou. “Foi uma experiência chocante para nós. Eram trabalhadores médicos da Sociedade do Crescente Vermelho [palestino] e da Defesa Civil, ainda em seus uniformes, ainda usando luvas”, disse.
“Eles foram mortos enquanto tentavam salvar vidas”, acrescentou Whittall.
A consternação internacional e a pressão por uma investigação completa e independente sobre os fatos ganharam ainda mais força após a divulgação de um vídeo que contradiz a versão israelense de que os veículos de resgate não estavam devidamente sinalizados.
A gravação, publicada pelo The New York Times em 5 de abril, mostra o momento em que tropas israelenses abriram fogo contra uma equipe de resgate. As imagens foram recuperadas do telefone celular de Rifaat Radwan, um dos paramédicos mortos.
É possível ver no vídeo que as ambulâncias e o caminhão de bombeiros em que viajavam estavam claramente identificados e com luzes de sinalização de emergência acesas.
Quando a ambulância de onde o vídeo foi gravado para, começa o barulho de tiros de arma de fogo. A tela fica preta, mas é possível ouvir por mais de cinco minutos o tiroteio, além de vozes e, num determinado momento, alguém recitando orações.
Israel muda versão
Em 31 de março, as Forças de Defesa de Israel disseram que “vários veículos descoordenados foram identificados avançando de forma suspeita em direção às tropas sem faróis ou sinais de emergência” e que por houve disparos.
As tropas disseram ainda que haviam eliminado nove militantes do grupo terrorista Hamas e da Jihad Islâmica, mas identificaram apenas um deles. Israel acusa frequentemente o Hamas de usar infraestrutura civil para seus objetivos militares.
Após a publicação do vídeo, as forças israelenses mudaram o tom. Um oficial afirmou, sob condição de anonimato, que alguns relatos iniciais das tropas presentes no local estavam “equivocados” e que o incidente ainda estava sob investigação.
De acordo com a declaração, o incidente teria ocorrido em uma “zona de combate”, e o inquérito teria indicado “que as tropas abriram fogo devido a uma ameaça percebida após um encontro anterior na área, e que seis dos indivíduos mortos no incidente foram identificados como terroristas do Hamas”. O relatório não forneceu nomes ou outras evidências sobre os seis indivíduos.
Crescente Vermelho fala em ‘intenção de matar’
Em uma coletiva de imprensa na segunda-feira, 7, na cidade de Ramallah, o Crescente Vermelho palestino rejeitou a alegação dos militares israelenses de que a área que as equipes de ambulância tentavam acessar estava numa zona “vermelha” ou de combate que precisava de coordenação prévia com os militares.
A organização também revelou alguns resultados das autópsias feitas nos paramédicos. “Não podemos revelar tudo o que sabemos, mas direi que todos os mártires foram baleados na parte superior do corpo, com a intenção de matar“, disse aos jornalistas Younis Al Khatib, presidente do Crescente Vermelho na Cisjordânia ocupada por Israel.
Ele pediu “uma comissão de inquérito internacional independente e imparcial” para investigar o incidente.