Por um breve instante, pareceu que o Democratas (DEM) poderia ser um partido com identidade: uma autêntica legenda brasileira de centro-direita, avessa aos extremos, defensora da cultura democrática e de um projeto liberal na economia.

Esse momento passou rapidinho. Hoje, quando não está apoiando as pautas reacionárias do bolsonarismo, o partido promove o atraso com esforço próprio.

Esses dois impulsos se unem de forma exemplar no trabalho do senador Marcos Rogério (RO), que vai se tornando uma das figuras políticas mais grotescas da República.

Na CPI da Pandemia, ele defende desavergonhadamente o indefensável – as mentiras e a inoperância deliberada do governo no enfrentamento do Covid-19.

Ao mesmo tempo, como relator do projeto de privatização da Eletrobras, Rogério permite que uma medida de caráter liberal se transforme em seu oposto, ou seja, um amontoado de reservas de mercado e favores corporativos, que vão onerar e distorcer o funcionamento do setor energético por muitos anos, provavelmente encarecendo as contas de energia em todo o país.

O que aconteceu com o DEM para que Marcos Rogério pudesse se tornar um dos seus expoentes?

Se eu tivesse de apontar um culpado, diria que foram as eleições de 2020. O DEM saiu das urnas no ano passado como um dos cinco partidos que mais controlam prefeituras no país. De repente, tornou-se importante voltar-se para os rincões. As dinâmicas regionais ganharam mais peso, as lideranças regionais ganharam mais voz. O partido ficou mais parecido com o MDB: menos interessado em ter um ideário bem definido, mais afeito a buscar a acomodação no plano nacional.

A expulsão de Rodrigo Maia (RJ) nesta semana é outro símbolo desse processo. Na presidência da Câmara dos Deputados, entre 2019 e 2020, ele posicionou o DEM como uma das principais forças de oposição ao bolsonarismo. Cometeu um erro crasso ao tentar estender seu mandato por mais tempo, apoiando veladamente uma manobra que o STF rejeitou por ser evidentemente inconstitucional. Mas a derrota do seu projeto pessoal e do candidato que tardiamente tentou emplacar não precisaria ter vindo acompanhada  de uma guinada tão brusca do DEM se não houvesse outros interesses em operação.

Entre continuar alimentando a guerra no plano nacional e dar ouvido às lideranças regionais do DEM, o presidente do partido e governador da Bahia, ACM Neto, preferiu a segunda opção. Rompeu com Maia, até então seu amigo de fé e irmão camarada.

Além disso, o demista que ocupou o vácuo deixado por Maia em Brasília não poderia ser mais diferente dele. Desde que assumiu a presidência do Senado, Rogério Pacheco (MG) não causou um problema sequer a Bolsonaro. Pelo contrário. Ajudou o partido a se transformar numa linha auxiliar do bolsonarismo.

Pacheco também é um símbolo da transformação do DEM. Há quem ache que aquele seu jeito brando é uma virtude, um exemplo a se seguir num ambiente político que se acostumou à gritaria e ao radicalismo. Discordo. Pacheco representa o centro na sua pior roupagem.  Sua polidez é um disfarce para a falta de convicções e o oportunismo. Ele apagou as linhas que Rodrigo Maia havia traçado no chão, delimitando para o DEM um espaço de oposição tanto à esquerda lulista quanto à direita bolsonarista. Com isso, o partido deixou de ter uma mensagem relevante para a disputa nacional.

Quanto ao oportunismo, veja quem é o seu mais novo amigão do peito: Gilberto Kassab, que de repente encafifou que Pacheco pode ser a opção de centro para as eleições de 2022. Diga-me com quem andas e te direi quem és. Kassab é uma das maiores raposas da política nacional, chefe de um partido, o PSD, que como o Macunaíma da ficção nasceu sem nenhum caráter e continua assim. Kassab nunca se interessou por ideias politicas, apenas por poder (e dinheiro, suponho). Pacheco agora lhe deu a mão. É por isso que costumo chamá-lo de sonso.

Aí está: com luminares como Pacheco, Marcos Rogério e ACM Neto, o DEM assume o seu lugar entre os partidos que não têm nenhuma ideia decente para o Brasil e, como único interesse, espraiar suas raízes pelo país. Surpresa seria se fosse diferente. Mas haja estômago para aguentar.