Como o ato na Paulista reorganiza o bolsonarismo para 2026

Como o ato na Paulista reorganiza o bolsonarismo para 2026

Liderada por Jair Bolsonaro (PL), uma manifestação pela anistia aos presos pela invasão às sedes dos Três Poderes de 8 de janeiro de 2023 reuniu 44,8 mil pessoas na avenida Paulista no domingo, 6, segundo a USP (Universidade de São Paulo).

O apelo pode não ser o mesmo de outrora — em 7 de setembro de 2021, mais de 125 mil bolsonaristas se reuniram neste mesmo local para um protesto inflamado contra o Supremo Tribunal Federal –, mas a mobilização de governadores e parlamentares em torno do ex-presidente enfileirou a oposição em um contexto de fragilização do governo Lula (PT) e aproximação das eleições de 2026.

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Fortes sinais

Bolsonaro se tornou réu no STF por uma tentativa de golpe de Estado no final de março — em um processo com alta probabilidade de condenação — e vê as chances de reverter sua inelegibilidade, válida até 2030, ficarem cada vez mais remotas.

Mesmo com as más notícias, convites do ex-presidente levaram dezenas de deputados federais, senadores e sete governadores à Paulista. No grupo de chefes de Executivo, subiram no carro de som Tarcísio de Freitas (Republicanos), de São Paulo, Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás.

O grupo de chefes de Executivo tem Lula como inimigo em comum e inclui um pré-candidato ao Palácio do Planalto que já travou duros embates com Bolsonaro, mas abraçou uma das pautas mais caras e menos moderadas do ex-presidente — além da relativização da quebradeira em Brasília, a militância pela anistia joga dúvidas sobre a descoberta da trama golpista e reforça a tese de perseguição do Judiciário — com seu espólio eleitoral na mira.

Bolsonaro

Governadores no ato pró-anistia para os presos do 8 de janeiro

O peso do movimento

A IstoÉ entrevistou um cientista político que pesquisa a direita brasileira e um experiente estrategista para entender quais sinais a aglutinação de forças de oposição no ato pela anistia dá a respeito do posicionamento desse campo e do papel de Bolsonaro nas eleições de 2026.

— Fabio Kerche, professor da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro) e pesquisador do Centro de Estudos para a América Latina da American University, em Washington;

— Wilson Pedroso, coordenador das campanhas vitoriosas de João Doria (então no PSDB) e Bruno Covas (PSDB, morto em 2021) pela prefeitura de São Paulo, em 2016 e 2020, e a de Pablo Marçal (PRTB), terceiro colocado na disputa pelo cargo em 2024.

IstoÉ Um diagnóstico frequente da derrota apertada de Bolsonaro para Lula em 2022 era de que o ex-presidente teria de buscar alianças ao centro para se recuperar, mas o ato pela anistia reuniu políticos que surgiram como alternativas moderadas na direita em torno de uma pauta radicalizada. Esse discurso recuperou a força?

Fabio Kerche As pesquisas mostram que, embora a popularidade de Lula esteja em queda, não há projeção de vitória para a direita radical em 2026. Esse campo vive um mau momento jurídico, com grandes chances de Bolsonaro ser preso, e não mobiliza mais as ruas como em outros momentos da história recente. Não vejo indicações objetivas de fortalecimento.

No geral, o cenário é de estabilidade. Não houve mudança na distribuição de forças da política brasileira [desde as eleições de 2022]. Há uma centro-esquerda, ocupada por Lula e PT, que ampliou seu espaço até a centro-direita, e uma direita radicalizada, com alguns membros que fazem acenos à moderação, mas não desgarram do discurso extremo e da falta de compromisso democrático do ex-presidente.

Wilson Pedroso Há uma reativação estratégica do discurso radical dentro do campo bolsonarista. O que se viu na avenida Paulista foi uma tentativa clara de governadores como Tarcísio, Zema, Caiado e Ratinho Jr. de se posicionarem como herdeiros naturais do espólio político de Bolsonaro, caso ele permaneça inelegível em 2026.

Esses líderes tentam preservar o apoio da base bolsonarista ainda mobilizada e evitam parecer traidores distantes demais do ex-presidente. A defesa de pautas como a anistia aos envolvidos no 8 de janeiro, apesar de destoar do discurso moderado, se insere nesse esforço de mostrar lealdade pública e preservar capital político dentro da direita. A moderação, nesse momento, cede lugar à necessidade de sobrevivência e posicionamento político.

IstoÉ Essa reunião de autoridades relevantes ao redor da anistia sucedeu um julgamento que tornou Bolsonaro réu no Supremo e pode ter aberto o encerramento de sua carreira política. O ex-presidente se fortaleceu nesse cenário?

Fabio Kerche Mesmo com a participação de atores políticos relevantes, as manifestações não tiveram expressão suficiente para provocar uma alteração da situação jurídica de Bolsonaro ou mesmo acelerar a tramitação da anistia no Congresso [apesar da pressão do PL, o presidente da Câmara, Hugo Motta, não pautou o projeto na Casa].

Wilson Pedroso A inelegibilidade de Bolsonaro e seu status de réu no STF criaram uma situação de “martirização” diante de parte significativa do eleitorado.

Isso não apenas reforçou sua imagem de líder perseguido, como também lhe deu protagonismo em um momento em que muitos esperavam sua gradual saída de cena. A manifestação provou que ele ainda é o maior polo aglutinador da direita no Brasil, capaz de reunir governadores, parlamentares e líderes religiosos em torno de sua narrativa.

IstoÉ Quatro dos governadores que foram ao ato são possíveis herdeiros do espólio de Bolsonaro nas urnas, mas se uniram para apoiá-lo. Foi o ensaio de uma “frente ampla da direita” para 2026?

Fabio Kerche A frente de Lula reuniu adversários históricos, como o vice-presidente Geraldo Alckmin, que já concorreu contra ele à Presidência [em 2006]. No cenário atual, são governadores de direita que parecem mais propensos a uma aproximação por interesse: ou seja, eles aguardam a possível condenação de Bolsonaro para pleitear seu apoio nas urnas.

Não há ampliação ideológica da coalizão, dado o perfil dessas lideranças. Os representantes que estavam na Paulista não integram a direita moderada, mas a direita radicalizada. Eles podem fazer um movimento eleitoral para moderar seus discursos, mas neste momento não há uma liderança apta a ocupar esse espaço esvaziado da direita moderada. Os pedidos de anistia e os ataques ao Supremo, registrados nesse ato, não ocupam esse espaço.

Wilson Pedroso A instabilidade do governo Lula — no campo econômico, na articulação política e na comunicação — tem incentivado a reorganização das forças de oposição. Essa movimentação não é uma frente ampla no sentido clássico, baseado na pluralidade ideológica, mas sim uma frente de direita que gira em torno de valores comuns: crítica ao PT, defesa de pautas conservadoras e uma disputa pelo espólio de Bolsonaro. É um movimento mais coeso do que plural, e que ainda precisa resolver internamente a sucessão de liderança dentro do campo da direita [Bolsonaro repete que será candidato e não deu aval a nenhum aliado].

No curto prazo, essa associação reforça a conexão desses governadores com a base bolsonarista, garantindo visibilidade e apoio desses eleitores. No médio e longo prazos, pode ser um risco — sobretudo se o desgaste de Bolsonaro se acentuar judicialmente ou se o eleitorado buscar um perfil mais equilibrado.

Postulantes da direita caminham numa linha tênue: ao mesmo tempo em que buscam herdar o eleitorado de Bolsonaro, precisam ter capacidade de articulação com setores da centro-direita, o que pode ser comprometido por pautas radicais. A equação entre lealdade e viabilidade eleitoral será o grande desafio de 2026.